Sofrimento e obediência: Jó, o primeiro dos herois
Há não muito tempo, em uma conversa normal que se enveredou por paralelos com a história de Jó, surgiu a pergunta: “Qual é então o propósito do sofrimento e da cura- ou falta dela?”. Fiquei de refletir e estudar sobre, pois essa pergunta é uma frase que contêm em si mais do que as suas palavras — é um enigma que vivemos tentando responder. Especialmente no caso de Jó, o ponto para o qual Deus o estava levando era reconhecer a justiça sob a qual ele — e nós — vivemos e levar Jó a buscar uma justiça fora de si mesmo — um prenúncio da fé na redenção em Cristo e na Igreja Católica.
Se há algo, logo de cara, que se pode dizer sobre Jó é que não era um homem hipócrita. Ele era um homem de fé, sem nenhum tipo de culpa. O diabo infligiu sofrimento a ele — com a permissão de Deus — como teste da fé e lealdade de Jó a Deus.
Já os amigos de Jó, levados talvez por boas intenções mas uma falta de visão — e até de respeito pelo próprio — tentaram convencê-lo de que ele estava errado em aturar aquilo. E realmente, muito do sofrimento neste mundo é o resultado de um comportamento pessoal. Inclusive Jesus Cristo, depois de curar alguém, tinha o costume de dizer: “Vá e não peques mais”. Mas é importante ver que Deus não nos permite sofrer porque Ele está sendo carrasco; Ele nos permite sofrer para que possamos admitir nosso desamparo neste mundo, reconhecer nossos pecados e voltar para Ele em verdadeira devoção.
Mas Jó permaneceu inflexível em sua inocência e, ao longo de todo o sofrimento jogado em cima da sua cabeça, não cometeu pecado algum.
Então, qual foi o propósito disso?
Observe o que Deus disse em resposta à pergunta — imagino que bem indignada — de Jó por uma explicação do que estava acontecendo com ele. Deus não fez nenhuma tentativa de defender a si mesmo. Ele simplesmente disse que Ele poderia fazer o que Ele quer.
Esse tipo de declaração pode soar muito arrogante — e seria mesmo se viesse de qualquer outro ser, exceto de Deus. Então o que é que Deus estava fazendo? Ele estava tentando dizer que Ele poderia fazer o que quisesse porque tem razões para fazer o que quer — trabalhando sempre em puro amor pelo bem de todas as coisas — mesmo que não possamos compreender essas razões.
Mas claramente disso nasce um dilema: como vamos saber se nosso sofrimento, que geralmente é o resultado de nosso próprio pecado, pode estar servindo a algum propósito misterioso de Deus? Para alguém que não seja católico, a resposta a essa pergunta vai ser sempre um mistério. Mas todo católico tem a resposta bem em frente dele: o divino Mistério de Cristo crucificado. Em Cristo na cruz, compreendemos a perfeita obediência aos mais profundos motivos de Deus. Na cruz, até mesmo o sofrimento inocente glorifica a Deus, pois leva a perseverar no amor, apesar de toda a oposição que o mundo coloca contra nós diariamente.
Há apenas um preço pelo qual as almas são compradas, e isso é sofrimento unido ao Meu sofrimento na cruz. O amor puro entende essas palavras; amor carnal nunca os entenderá.
- Jesus a Santa Faustina (Diário, 324)
Deixar todo sofrimento terminar em amor: é assim que o Livro de Jó termina. Jó reconhece seu erro de cair em desespero — a maior e mais efetiva arma do demônio — por causa de seu sofrimento. Ele se submete à vontade de Deus e aí ele descobre o amor, porque um aspecto essencial do amor é a obediência. Cristo disse a Seus apóstolos que, se o amassem, guardariam Seus mandamentos (João 14:15). E, como Ele disse a Santa Margarida Maria Alacoque, Ele ama a obediência e ninguém pode agradá-Lo sem ela (Autobiografia, 47). Amor significa aceitar totalmente a vontade de Deus, sem reclamar que é muito difícil, ou muito inconveniente, ou não “relevante” para o mundo moderno.
Jó foi escolhido por Deus para ilustrar uma lição crucial: o sofrimento não pode terminar em amor a menos que comece como uma decisão do livre arbítrio. Portanto, e muita atenção porque isso é sutil, mas importante — a menos que você entenda o quanto você não quer fazer algo, você não está fazendo um ato de amor.
Este fato foi demonstrado perfeitamente por Cristo no Jardim do Getsêmani quando declarou ao Pai que Ele não queria tomar o cálice de Sua Paixão, mas que, se fosse a vontade do Pai, Ele faria de qualquer maneira (Mateus 26: 36–46; Marcos 14: 32–42; Lucas 22: 39–46).
Mas quando o sofrimento se torna amor, todos os truques e tentações do demônio são jogados de volta na sua cara. E é por isso que Deus aceitou a aposta de Satanás e permitiu que ele colocasse Jó em teste. Jó não era hipócrita — Satanás era. Satanás, em toda sua arrogância de estar sempre “vagando pela terra e patrulhando-a”, buscou nada além de sua própria glória. A derrota da aposta hipócrita de Satanás pela obediência de Jó foi o prenúncio perfeito da perfeita obediência de Cristo em Sua Paixão e Sua vitória final sobre o pecado e a morte e todo o sofrimento que eles causam.
Salve Maria!