Sobre a Maternidade Divina

Eduardo Moura
9 min readAug 5, 2023

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Apologética em defesa de Maria como Mãe de Deus (Teotokos – Θεοτόκος), uma realidade já crida pelos primeiros cristãos e sustentada infalivelmente durante os séculos pelo Magistério, em conformidade com os Padres da Igreja e autores sagrados.

Por Pe. Josivan Bezerra de Sales

Notas e comentários Eduardo Moura

ESCLARECIMENTO

Motivo:

O motivo desta publicação concretiza-se pela grande necessidade de afirmar, sem nenhum medo entre os católicos, que a Santíssima Virgem Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus. Explicando de maneira simples, porém não simplista, ainda necessitando de uma boa base teológica sólida e objetiva, como isso ocorreu, bem como o seu papel no plano salvífico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Isso é importante, uma vez que essa jovem não foi “insignificante” muito menos “afastada” dos desígnios do Senhor, Ele que tudo sonda, deixou-nos um fragmento desta realidade: “Saí da boca do Altíssimo; nasci antes de toda criatura” (Eclesiástico 24, 5).

I. A MATERNIDADE DIVINA

I.1. Introdução

O mistério da maternidade divina de Santa Maria constitui sua razão de ser, é a mais profunda razão de sua existência e do lugar que ela ocupa no plano da salvação.

Seguindo o Concilio Vaticano II, se “só no mistério do Verbo Encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem” (GS 22), somente no mistério da maternidade divina se esclarece o mistério de Maria e do lugar que ela ocupa na Economia da Salvação. A essencial e total referência de Santa Maria a sua maternidade vem sublinhada no texto do Concilio pela afirmação que sua eleição como mãe tem lugar na mesma decisão (consilio) da encarnação do Verbo: ab eterno una cum divini Verbi incarnatione (cf. Lumen Gentium n° 61).

Por tanto, Mãe e Filho aparecem indissoluvelmente unidos no plano divino. No mesmo mistério de Cristo, Maria está presente já “antes da criação do mundo” como aquela que o Pai elegeu como Mãe de seu Filho na Encarnação, e junto com o Pai a elegeu o Filho, confiando-a eternamente ao Espírito Santo.

I.2. A maternidade divina na Sagrada Escritura.

Na Sagrada Escritura não se afirma explicita e formalmente que Santa Maria é a Mãe de Deus, Theotokos ou Deigenitrix. Ela é chamada mãe de Jesus ou mãe do Senhor. Ao mesmo tempo, se diz que Jesus é o Filho de Deus, o Verbo Eterno do Pai. Disto infere-se que Santa Maria deve ser venerada verdadeira e propriamente com o título de Theotokos, de Mãe de Deus, pois seu Filho é o Logos, Unigênito do Pai e, portanto, Deus verdadeiro.

(Lc 1, 35) Filho de Deus que nasceu de Maria

“Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.”

  • Trata-se aqui de uma autêntica maternidade que tem sua origem em uma intervenção extraordinária de Deus;
  • A esta maternidade Maria contribui com sua aceitação consciente e livre. Trata-se de um consentimento que procede da fé, da caridade e da obediência, implicando assim a santidade pessoal de Santa Maria e sua entrega à obra da Redenção. Este livre consentimento faz parte integral do conceito adequado de sua maternidade divina.

(GI 4, 4–6)

Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção. A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!”

  • Fica claro, então, que a ação geradora é em relação ao Verbo divino.

(Rm 9, 5)

“…e os patriarcas; deles descende Cristo, segundo a carne, o qual é, sobre todas as coisas, Deus bendito para sempre. Amém”.

  • Essa doxologia afirma que Cristo, descendente segundo a carne dos israelitas, é Deus. Por isso, a mulher da qual Jesus procede na carne – ou seja, Maria – é Mãe de Deus.

(Mt 1, 21)

Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados

  • A expressão seu povo é muito forte. O Novo Testamento, herdando a linguagem do Antigo, aplica esta expressão unicamente ao Senhor, que havia escolhido a Israel como Seu povo (possessivo forte).
  • Portanto, é atribuído de forma direta a Jesus o caráter divino, pois na Nova Aliança o povo de Israel será tanto d’Ele como de seu Pai.
  • Esta tese é reforçada com o objeto da salvação: de seus pecados; palavras que reiteram indiretamente a divindade de Jesus Cristo, pois, no mundo religioso judeu, esse poder somente corresponde a Deus; motivo pelo qual acusam de blasfemo a Jesus, quando em nome próprio perdoa os pecados.

(Lc 1,43)

donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?”

  • A palavra “Senhor” (kyrios) se aplica a Deus e não somente ao Messias.

I.3. A maternidade divina ao longo da História

I.3.1. Primeiros Séculos.

Os Padres insistem muito na verdadeira maternidade de Santa Maria, tendo em primeiro plano a realidade natural, biológica. Tem grande importância o uso da partícula ex do Símbolo – natus ex Virgine. O docetismo gnóstico, mantendo a realidade humana de Jesus, negou sua realidade corporal. Um corpo imaterial faria desnecessária e impossível uma verdadeira atividade maternal de Maria.

1.3.2. Século IV.

No Símbolo do Concilio de Nicéia (325 d.C.) se afirmou a fé na perfeita divindade do Verbo e na verdadeira Humanidade de Cristo contra o erro de Ario: ele dizia que o Verbo não era Deus, como o Pai, mas a criatura mais excelsa produzida pelo Pai. Não aparece neste Concílio nenhuma alusão mariana.

No segundo Concílio ecumênico constantinopolitano II (Constantinopla) no ano 381 d.C., faz-se uma alusão à Maria. Amplia-se o Símbolo Niceno dizendo “por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e se fez homem”. Indica-se, pois, que a Encarnação tem um duplo princípio simultâneo: o Espírito Santo e Maria Virgem. Afirma-se tanto a maternidade divina de Maria, como sua maternidade virginal.

  1. 3.3. Século V.

A maternidade de Maria aparece bem fundada na fé da Igreja desde o século IV. As dificuldades contra a maternidade divina no século V surgem de uma questão estritamente cristológica: como conceber a unidade entre o divino e o humano em Cristo. O Concílio de Efeso (431 d.C.) aclarou a questão suscitada por Nestório em torno da Theotokos.

Santa Maria é chamada Mãe de Deus, não por gerar a natureza divina de Jesus, mas por ter gerado sua natureza humana, a qual está unida ao Verbo na unidade da Pessoa.

No Concílio de Éfeso (431 d.C.) se define dogmaticamente a Maria como Theotokos. Tem aqui grande importância doutrinal a segunda carta de São Cirilo a Nestório. Nesta carta, lida e aprovada pelo Concílio com aval da autoridade superior eclesiástica, se afirma a seguinte doutrina:

[Não nasceu primeiramente da Virgem um homem vulgar a quem depois desceu o Verbo; mas que o Verbo de Deus unido desde o seio da Virgem, se submeteu a um nascimento carnal, fazendo seu o nascimento de sua carne]

Assim afirma o apóstolo que diz: (Gálatas 4,4) “Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei.”

  • A Santa Virgem é chamada Mãe de Deus, não por ter gerado a natureza do Verbo e sua divindade, mas porque o Verbo se diz gerado dela segundo a carne.
  • No Símbolo de fé cristológica do Concílio de Calcedônia (451 d.C.) há uma importante afirmação mariana: o Filho é gerado pelo Pai em relação a sua divindade e é gerado de Maria Virgem, em relação a sua humanidade.
  • Afirmam-se dois nascimentos de Cristo: um eterno de Deus Pai, antes de todos os séculos e outro no tempo, de Maria. Trata-se, pois, da concreção dogmática da doutrina já contida em (GI 4, 4).

I. 3. 4. Século VI.

O II Concílio de Constantinopla (533 d.C.) repete a doutrina dos dois nascimentos de Cristo, especificando que Maria é própria e verdadeiramente Mãe de Deus.

A partir destas intervenções solenes, a maternidade divina de Santa Maria é um fato professado pacífica e universalmente ao longo dos séculos.

I. 3. 5. Do protestantismo até hoje.

Os fundadores da Reforma protestante expressaram com equilíbrio o dogma da maternidade divina. Contudo, ao por cuidados excessivos no culto eminente que recebe a Virgem Maria por sua especial dignidade, abriram o caminho a que muitos de seus sucessores tenham terminado negando essa maternidade.

Hoje, a corrente teológica anticalcedoniana incide indiretamente no dogma da maternidade divina. Isto é assim por furto de uma recaída no erro monofisista (Cristo, substancial e pessoalmente é somente homem) e um certo adopcionismo.

O Concílio Vaticano II toma a maternidade divina como um marco no qual estuda o papel de Maria no mistério de Cristo e da Igreja. Cita a (GI 4, 4–5) e ao Concllio de Éfeso, Calcedônia e II de Constantinopla, destacando que a maternidade é biológica e ao mesmo tempo teve lugar pela fé.

I. 4. Dimensões da maternidade divina.

A maternidade de Maria é uma autêntica maternidade biológica, humana e natural.

Ao mesmo tempo essa maternidade é sobrenatural, tanto em quanto ao modo, pois foi uma maternidade virginal, como em quanto à causa da concepção, pois o foi por obra do Espírito Santo.

Em tudo o demais é uma maternidade inteiramente humana, pois o corpo humano de Jesus cresceu e se desenvolveu realmente durante nove meses no seio virginal de Maria. Assim, Maria deu à humanidade de Cristo tudo o que as outras mães dão à formação e crescimento de seus filhos.

O argumento teológico mais utilizado para explicar a maternidade de Maria é o seguinte: Maria é Mãe de Deus, pois ainda que ela não seja ela e geradora da natureza divina, mas da humana, é da pessoa da que se diz que é concebida e não a natureza, já que actiones sunt suppositorum (as ações são da pessoa).

1.5. A eleição de Santa Maria como Mãe de Deus

O Concílio Vaticano II aponta que a Virgem foi predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade juntamente com a encarnação do Verbo.

O texto do Concílio Vaticano II recolhe as expressões da Bula Innefabilis Deus de Pio IX e da Munenficentissimus Deus de Pio XII referentes à eterna eleição de Santa Maria como Mãe do Redentor, eleição incluída no mesmo decreto da Encarnação do Verbo. No Catecismo da Igreja Católica se volta a falar da predestinação da Virgem Maria para Mãe de Deus desde toda a eternidade.

I. 6. Eminente dignidade da maternidade

A dignidade da maternidade divina está vinculada à dignidade do objeto dessa maternidade. Posto que Maria concebe nas suas entranhas e dá à luz ao Filho de Deus, sua dignidade é singular.

Deus concedeu a Santa Maria “uma dignidade tão admirável que Deus mesmo, apesar de sua onipotência, não poderia criar uma mais sublime. Para que pudesse fazer uma mãe maior e mais perfeita que Maria, seria necessário um Filho maior e mais perfeito que Jesus: coisa impossível, pois não pode haver nada maior e mais perfeito que Deus. A grandeza de Maria vem-lhe dada pela dignidade de seu Filho, e é tão estreita sua união com ele que não fica lugar para outra criatura inferior a Deus e superior a Maria”.

Isto não quer dizer que Maria não tivesse a graça santificante: a teve em grau eminente; somente se quer expressar que as grandes graças outorgadas à Mãe de Deus são mais e de maior qualidade, em razão de sua dignidade e de sua missão, que as recebidas pelos demais seres humanos, inclusive os mais santos.

Muitos teólogos sustentam que a maternidade divina é causa ou razão de todas as outras graças que Deus concedeu a Maria; incluso é a medida e o fim de todas elas, o (telos) de todas essas graças se concretiza em Cristo e no seu plano salvífico para o gênero humano.

Como afirma Sto. Afonso Maria de Ligório: “Ad maiorem Dei gloriam” – o Senhor realizou admiráveis coisas nesta jovem para a maior glória de Deus, para o cumprimento da redenção que seria operada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro.

Viva Cristo Rei!

Referências:

Denzinger-Hünermann, Compêndio dos Símbolos e Declarações de fé e moral. Edições Loyola; 3ª edição (22 maio 2007).

BÍBLIA, Sagrada – Ave Maria. Editora Ave-Maria; 215ª edição (1 janeiro 2016).

CATECISMO da Igreja Católica. Edições Loyola; 30ª edição (22 março 2002).

MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção. Vozes De Bolso; 1ª edição (21 março 2018).

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Eduardo Moura
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Written by Eduardo Moura

Ad maiorem Dei gloriam! — Minha missão é ensinar e, com o auxílio da graça de Deus, converter. Escritos de um católico sobre catequese e vida dos Santos.⚜️

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