Santo Agostinho: O problema do mal contra os maniqueus

Eduardo Moura
107 min readNov 9, 2024

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APRESENTAÇÃO

Caros leitores e católicos, apresento-lhes a primeira parte de uma série de textos filosófico-teológico sobre as heresias enfrentadas por Santo Agostinho, o Doutor da Graça. Este primeiro texto tem o objetivo de expor de maneira didática e conceitual a disputa entre as visões agostinianas e maniqueístas sobre a querela do mal, além de desenvolver as principais argumentações de ambos os lados.

Santo Agostinho e a Santíssima Trindade

RESUMO

Santo Agostinho, por meio de diversas obras, como em suas Confissões, Comentário ao Gênesis e, mas especialmente em seus escritos Sobre O Livre-Arbítrio e A Natureza do Bem. — Sendo “O livre-Arbítrio” o principal tratado de Agostinho sobre o tema do mal, no qual ele procurou encontrar uma causa para o mal — de modo racional — fora da criação divina, e o segundo escrito em contestação à visão maniqueia, na qual ele teve contato por cerca de dez anos[1] de sua vida e relatou através de suas confissões ter chegado à várias perguntas sem respostas satisfatórias concernente ao problema do mal que obteve em sua jornada e, consequentemente, em especial, a respeito da dualidade de princípios que sustentam toda a ontologia e o sistema que norteia a cosmologia de tal seita religiosa. — Depois do seu desligamento com os maniqueus, o Doutor da Graça se empenhou em esclarecer que toda natureza criada por Deus é um bem, uma vez que procedem d’Ele. Tese essa sustentada depois de sua conversão ao catolicismo, em especial, pela influência do bispo Ambrósio e da doutrina neoplatônica que tomou conhecimento somente depois de conhecer o maniqueísmo. Seguindo essas novas perspectivas, Santo Agostinho sustenta que o mal não deve ser considerado exclusivamente como parte dos seres criados, uma vez que não possui existência substancial própria. O mal se manifesta unicamente como o princípio pelo qual ocorre a corrupção da ordem e da natureza, atributos estes que constituem a essência dos seres criados.[2]

As consequências teológicas e filosóficas desta tese agostiniana sobre a inexistência ontológica do mal se apresentam primeiramente no desenvolvimento do diálogo O Livre-Arbítrio. Nessa obra, ao responder aos questionamentos do jovem Evódio, Agostinho esclarece de forma mais sintética aquilo que mais tarde apresentaria em A Natureza do Bem: sendo todas as coisas criadas por Deus inerentemente boas, o livre-arbítrio não poderia ser considerado um mal, ainda que por meio dele o ser humano possa cometer pecados — uma conclusão alcançada ao final do Livro I de O Livre-Arbítrio. Essa assertiva demonstração, presente na obra, abalou profundamente o jovem Evódio, levando-o a formular a pergunta crucial que permeia a reflexão humana.

Mas quanto a esse mesmo livre-arbítrio, o qual estamos convencidos de ter o poder de nos levar a pecar, pergunto-me se aquele que nos criou fez bem em tê-lo dado. Na verdade, parece-me que não pecaríamos se estivéssemos privados dele […]. (De lib. arb[3]., I. p. 69. 35b).

Por fim, o presente estudo, fundamentado nas obras de Santo Agostinho, abordará a argumentação agostiniana relativa à origem do problema do mal, conforme articulado pelo teólogo e filósofo cristão. Particular atenção será dada à sua controvérsia com o maniqueísmo, problema central da investigação agostiniana, bem como à análise da dualidade entre bem e mal e ao conceito de livre-arbítrio da vontade humana. O objetivo final é demonstrar a ordem intrínseca que existe na criação e argumentar que o livre-arbítrio deve ser compreendido, dentro do pensamento agostiniano, como um bem para a humanidade, e não como um mal.

Palavras-chaves: Mal; Livre-arbítrio; Agostinho; Maniqueísmo; Neoplatonismo; Deus.

INTRODUÇÃO

Aurélio Agostinho, amplamente conhecido na tradição ocidental como Santo Agostinho ou Agostinho de Hipona, nasceu em 354 d.C. na cidade de Tagaste, na Numídia, atualmente corresponde à Argélia. Foi proclamado Doutor da Graça pela Igreja Católica, por ser um autor de grande contribuição intelectual para toda a cristandade. Era filho de Patrício, um pequeno proprietário de terras que se mantinha vinculado a práticas pagãs, e de Mônica, uma devota cristã. Agostinho faleceu em 430 d.C., aos 76 anos e, posteriormente, foi canonizado pela Igreja Católica por aclamação popular. A influência das crenças de seus pais foi determinante na formação de suas ideias e em sua trajetória espiritual.

O jovem Agostinho iniciou sua formação nas escolas de Tagaste e, depois, na cidade vizinha de Madura. Anos mais tarde, teve a oportunidade de se transferir para Cartago[4], graças ao auxílio financeiro de um amigo influente de seu pai, onde prosseguiu seus estudos em retórica entre 370 e 371 d.C. Durante esse período de estudos universitários,[5] aos 19 anos, foi profundamente influenciado por professores e colegas, seguindo o programa do curso ele teve acesso aos escritos de Cícero, renomado orador romano. Em suas “Confissões”, Agostinho relata que Cícero se tornou um modelo intelectual e uma referência fundamental em sua trajetória filosófica em busca da verdade.

(…) cheguei ao livro de Cícero, cuja linguagem, mais do que o coração, quase todos louvam. Esse livro contém uma exortação ao estudo da filosofia. Chama-se «Hortênsio»[6]. Ele mudou o alvo das minhas afeições e encaminhou para Vós, Senhor, as minhas preces transformando as minhas aspirações e desejos (AGOSTINHO, 1980, III, 4, 7).

Segundo o comentador Brachtendorf (2020, p. 90), Agostinho, após ler Cícero, ficou profundamente impressionado e desejou fundamentar os conhecimentos adquiridos no “Hortensius”. Nesse processo de busca por uma base religiosa para a doutrina apresentada por Cícero, Agostinho encontrou apoio no maniqueísmo. Essa argumentação é confirmada por Costa que afirma: “neste livro, o velho tribuno, desiludido das suas ambições políticas, volta-se para a filosofia, onde procura encontrar a felicidade nas meditações das verdades eternas” (COSTA, 2002, p. 23). Assim, ainda diz Costa:

Ali, Agostinho encontrava a visão da bem-aventurança prometida aos que vivessem de acordo com a sabedoria e a idéia, também, de que o conhecimento da verdade equivale ao conhecimento de Deus e de que a felicidade consiste na posse desse conhecimento. Ou seja, Cícero estabelece uma estreita relação entre conhecimento ou sabedoria, filosofia e felicidade. (COSTA, 2002, p. 24–25).

É justamente através da reviravolta realizada pela leitura do Hortênsio, que o problema do mal aparece para Agostinho de forma filosófica, por esse motivo, ele começou a se indagar: “Donde me veio, então, o querer eu o mal e não querer o bem?” (AGOSTINHO, 1980, VII, 3, 5). Este livro fez o santo doutor redescobrir Deus como lhe ensinara sua mãe na infância, como ele próprio diz em suas Confissões: “Já ambicionava, com incrível ardor do coração, a Sabedoria imortal. Principiava a levantar-me para voltar para Vós” (AGOSTINHO, 1980, III, 4, 7).

Porém, como é sabido por muitos, Agostinho chegou tarde à fé cristã após buscar a verdade e a felicidade em lugares diversos por um longo tempo de sua vida, conforme relata Toresim (2019, p.7.). Por esse motivo, pode-se falar em dois Agostinhos: antes da conversão (quando procurava a verdade no maniqueísmo, na vida mundana e nos prazeres desregrados) e depois da conversão (muito inspirado pelos ensinamentos de sua mãe, depois, quando conhece Ambrósio e, através de vários encontros e meditações, aceita Cristo como Deus, é batizado na Igreja Católica, torna-se padre, bispo e posteriormente Santo)[7]. Nas duas fases de sua vida, Agostinho vive num mundo de grande eloquência intelectual e cultural e, ao mesmo tempo, o cristianismo que ele abraçou sofre por consequência das muitas heresias que surgem. Nesse sentido, segundo alguns historiadores, ele foi o maior orador que o Império Romano já teve e um exímio apologista cristão. Sendo assim, Agostinho deixa muitas obras escritas para o desenvolvimento de grandes reflexões humanas e teológicas que ainda hoje trazem a sua marca.

Agostinho, neste período de sua vida vem do maniqueísmo, seita que leva o mal tão a sério a ponto de hipostasiá-lo, transformando-o em uma substância: na visão maniqueísta, o mal e o bem se confrontam mutuamente, são duas realidades opostas (PELLICCIARI, 2024, p. 64)[8]. Esse é um problema polêmico e muito investigado por Agostinho que gera discussões até os dias de hoje, o problema do Mal. Diversos pensadores de todas as épocas investigam e procuram solucionar essa querela. Agostinho foi um desses. Nessa primeira parte da exposição, portanto, delimitar-se-á a expor a concepção do mal na visão maniqueia e na visão agostiniana.

Esse trabalho cujo tema intitula-se: “O problema do mal em Santo Agostinho, pretende apresentar ao leitor a visão agostiniana e analisar a argumentação de alguns a respeito de tal indagação e ao mesmo tempo, apresentar as soluções que o Hiponense colocara para este problema. De antemão, não se pode afirmar que tal problemática tenha sido resolvida, definitivamente, porque se o tivesse ter-se-ia terminado as indagações a respeito dela. No entanto, pode-se dizer que o Doutor da graça soube dar uma resposta amplamente satisfatória, ainda que muitos não a aceitem e tentem refutá-la.

Sendo Agostinho um filósofo de grande influência no Oriente até hoje, deter-se-á o modo como ele tentou conciliar a bondade de Deus com a existência dos males, presentes no mundo. Pois, depois de sua conversão, defender que o mal é uma substância seria negar a bondade e a onipotência de Deus. Por isso, a grande questão é: Se Deus é bom, se Ele é o Criador de tudo que existe, e se tudo que Ele fez é bom, como afirma a Escritura em (Gn 1,31)[9] e (I Tm 4,4)[10], então de onde vem o mal? Eis a pergunta que nesse trabalho através de Agostinho pretendemos encontrar a prova e a defesa de tais argumentos racionais definindo que não é Deus o autor do mal, mesmo tendo dado ao homem o livre-arbítrio da vontade humana com o qual o homem pode escolher optar pelo pecado e se afastar do bem.

1 O MANIQUEÍSMO

1.1 A origem do maniqueísmo[11]

O maniqueísmo foi uma seita secreta[12] com caráter de religiosidade fundada por Mani ou Manes, sacerdote na Pérsia, por volta do ano 242 d.C., espalhando-se depois pelo Egito, Síria, África do Norte e Itália. Mani era um monge asceta, nascido em 14 de abril de 216, (8 Nisán do 527 do selêucida, ou de Alexandre), na aldeia de Nahar-Koutha, distrito de Mardinu, Barsa, segundo Brachtendorf (2020, p. 90), era localizada entre os rios Eufrates e Tigre (não muito distante da atual Bagdad), por isto também era tratado como “O Babilônico”, no quarto ano do reinado de Artaban V, último rei Arsácide.[13]

Os maniqueus tornaram bela a história das origens familiares de Mani, segundo Tardieu[14], criando uma semelhança com a história de Jesus, O Nazareno, denominando o seu fundador como “O Paráclito”, pois consideravam Mani como profeta enviado pelo próprio Cristo. Mani nasceu e conviveu até seus 24 anos de idade com os helxassaítas[15], que era uma seita estranha na qual ligavam aspectos judaicos, com os dogmas cristãos e práticas de magia antiga. Por volta de seus 12 anos, em 01 de abril de 228 (8 Nisán do 539 selêucida), Mani teria sido visitado por um anjo mensageiro do Reino da luz, chamado Al-Tawm, em aramaico ou Suzugos — em sirio (que significa companheiro), o qual lhe anunciou as primeiras boas novas de sua religião[16]; porém, dada a sua juventude ele ainda permaneceria entre os Helxassaítas, masjá demonstrava o seu descontentamento para com estes até que começou a surgir conflitos, e os mesmos aumentavam, e doze anos depois, houve outra aparição e, o mensageiro, revelou os mistérios e deu-lhes ordens para proclamar a verdade divina[17] (Victor e Rocha, 2019, p. 17).

Segundo o mesmo autor, Mani era um jovem dotado de notável genialidade e fluência em diversas línguas do Império Persa, viajou por vários países, aos 24 anos, estava com um grande desejo missionário de propagar a doutrina de sua religião a todos. Sua jornada incluiu a Ásia e a Índia, culminando na China, onde teve contato com seitas orientais que influenciaram significativamente seu pensamento. O professor Marcos Costa (2002, p. 53) comenta que essa experiência intercultural na vida de Manes desempenhou um papel crucial na formação de suas ideias religiosas e filosóficas, refletindo a interação entre diferentes tradições espirituais da época.

Finalmente, em 277, Mani foi encarcerado na cidade de Gundêshahpúr, na Susiana e, depois de 26 dias de prisão, seguindo a tradição, crucificado e esfolado, provavelmente em 26 de fevereiro de 277, com sessenta e um anos de idade, tendo sua pele exposta em um templo dos orientais[18].

Todavia, suas ideias religiosas e sua denominação não morreram com ele, Mani que versava sobre muitas línguas e culturas deixou alguns escritos chamados escrituras Maniqueísta ou cânon oficial[19], que deveria ser seguido de modo literal, ou seja, ao pé da letra pelos membros da religião e seus discípulos. E, dessa forma, a nova religião se propagou naquela região e, em 377, em Cartago, Agostinho conheceu a seita e começou a se aproximar da doutrina maniqueísta buscando respostas a suas inquietações sobre o problema do mal.[20]

1.2 A doutrina maniqueísta

Os maniqueus, assim como Agostinho durante o período em que fez parte dessa seita, estavam profundamente preocupados em responder a uma questão fundamental: como conciliar as maldades presentes no mundo — injustiças, desgraças, ódios, pestes, calamidades, misérias humanas, deficiências das sociedades, entre outras — com a bondade de Deus? Em outras palavras, seria possível que Deus, identificado como o Bem, fosse a causa do mal? Ou deveríamos atribuir a um ser distinto, igualmente poderoso, a origem do Mal?[21]

Para responder a esse dilema, os maniqueus desenvolveram uma doutrina que isenta Deus de toda responsabilidade pelos males existentes no universo, assim como o homem pelas maldades que pratica individualmente. Isso implica que, na doutrina maniqueísta, o problema do mal não recai sobre Deus; ou seja, Deus, como autor do Bem, não pode ser a causa do mal. A resposta maniqueísta será de natureza ontológico-cosmológica-materialista, a qual passaremos a explorar a seguir.

Essa preocupação maniqueísta em encontrar uma resposta que solucionasse o problema do mal e preservasse a incorruptibilidade de Deus é claramente expressa em uma passagem das “Confissões”. Nela, Agostinho, ao refletir sobre o período em que esteve envolvido com o maniqueísmo, afirma:

Parecia-me melhor crer que não tivésseis criado nenhum mal — o qual se apresentava à minha ignorância não apenas como uma substância, mas como uma substância corpórea, pois não conseguia imaginar o espírito senão como um corpo sutil que se difunde pelo espaço — do que aceitar que a natureza do mal proviesse de Vós, tal como eu imaginava […]. Daí deduzia a existência de uma certa substância do mal, que tinha uma massa feia e disforme — ou fosse grosseira como a terra, ou tênue e sutil como o ar — a qual julgava ser o espírito maligno investindo a terra. E, porque a minha piedade, independentemente de sua natureza, me obrigava a crer que a bondade de Deus não criara nenhuma natureza má, estabelecia duas substâncias opostas a si mesmas, ambas infinitas: a do mal, mais diminuta, e a do bem, mais extensa. Deste princípio pestilencial provinham as restantes blasfêmias” (Conf. V, 10, 20).

1.3 O envolvimento de Agostinho com o maniqueísmo

Pode-se questionar os motivos que levaram Agostinho a se aproximar do maniqueísmo[22]. O principal motivo e fundamento que orienta tal afirmação reside na busca agostiniana pela verdade, algo que inspirou o mestre hiponense por todo período de sua vida. Esse impulso foi, principalmente, ampliado depois da iluminação intelectual ocasionada pela leitura do Hortensius, de Cícero (Conf. III, p.71), e, num momento posterior, mesmo que com pouca reverberação no pensamento agostiniano, através da leitura das Categorias de Aristóteles, a qual afirmava não ter lhe ensinado nada de novo, pois tudo o que poderia ter aprendido com ela já lhe tinha sido descoberto por meio das leituras particulares que fizera durante sua vida (Conf. IV, p. 105). No entanto, mesmo que o Hontensius tivesse despertado a mente do mestre em direção à sabedoria eterna, buscando aquela verdade que tanto desejava — algo que Agostinho aspirava desde cedo, alimentando seu orgulho de livre pensador. Ele continuava insatisfeito, declarando que, nesses escritos, tanto os de Cícero quanto os dos neoplatônicos[23], descobertos em um momento posterior, com o seu afastamento da doutrina maniqueísta, especialmente pelo contato que teve através do impulso de Ambrósio. Mesmo assim, o mesmo afirmava que faltou-lhe algo, o conteúdo da fé que satisfizesse seu desejo inconsciente, como ele próprio diz: “Como ardia, Deus meu, como ardia em desejos de voar das coisas terrenas para Vós, sem saber como procedeis comigo! Porque em Vós está a sabedoria”.[24]

É importante recordar que Agostinho nasceu de uma mãe cristã, e, por mais que tivesse se afastado da religião cristã tendo uma vida moralmente corrompida durante anos de sua vida, seu coração foi marcado pelo cristianismo e aspirava à verdade constantemente: “Criastes-nos para vós, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós” (Conf. I, 2, p. 27). Assim, sua infância foi marcada pelas palavras de Cristo, repassadas para ele pela boca de sua mãe. Esse fato reflete-se em seu sentimento quando diz: “Porque este nome, segundo disposição de Vossa misericórdia, Senhor, este nome do meu Salvador e Filho Vosso, bebi-o com o leite materno, e dele conservava o mais alto apreço” (Conf. III, 4, 8). Por consequência de sua educação cristã, não encontrou nos escritos de Cícero nem nos escritos filosóficos, denominados de alta sabedoria, uma resposta satisfatória às suas inquietações; todas as respostas não ofereciam ao mestre uma explicação racional do mundo, especialmente do problema do mal. Assim diz Jolivet: “Ali — na Bíblia — encontrava, sem dúvida, o nome de Cristo, assim como este nome faltava no Hortensius” (JOLIVET, 1932, p. 24).

Por esse motivo, ao se deparar com o maniqueísmo, o qual se apresentava muito atraente ao jovem Agostinho, pois tinha uma doutrina que continha os elementos que ele tanto procurava: primeiro, o apreço à sabedoria e a verdade, pois apresentava-se com o nome de gnose ou ciência, ou uma religião-ciência, capaz de dar uma explicação racional do universo e da vida, principalmente do problema do mal,[25] aquela resposta que Agostinho tanto desejava encontrar.[26] Pois, no maniqueísmo, a sabedoria-verdade é apresentada como “a sophía do Grande Espírito, da Virgem da Luz e dos cinco filhos do Espírito Vivificador,”[27] ou seja, como uma filosofia ou uma gnose autêntica.

Assim, exclama Agostinho: “Quem não seria atraído por promessas dessa espécie, especialmente a mente de um adolescente que queria descobrir a Verdade?” (De utilit. cred., 1, 2). Ao mesmo tempo, o maniqueísmo trazia em seu bojo o nome de Cristo, aquele nome que ecoava na mente de Agostinho, e além disso, apresentava-se como uma religião cristã, ou melhor, como o verdadeiro cristianismo. Essa convicção de ser o cristão perfeito se dava, tanto em termos teóricos ou doutrinais, por cumprir o verdadeiro Evangelho, aquele escrito por Mani, o Paracleto, como em termos práticos, por seguir uma vida ascética ipsis litteris.[28]

Porém, anos depois Agostinho observou muitas contradições dentro da seita maniqueísta e se desvencilhou completamente dessa religião. Reconhecendo posteriormente que tal doutrina era enganosa e não poderia conduzi-lo à verdade. Por esse motivo, desejou desvincular-se desse pensamento e começou a criticar os maniqueus nas suas doutrinas centrais, escrevendo muitas obras contra eles, justamente naquilo que Agostinho tanto se cativou ao se aproximar de tal seita. Essa postura não agradou aos seguidores do maniqueísmo, especialmente a Fausto, bispo maniqueísta da época de Agostinho. Assim relata (COSTA, 2014, p. 31): A pretensão maniqueia de serem eles os verdadeiros cristãos era tal que o bispo maniqueu, Fausto de Milevo, em debate com Agostinho, chegou a classificar os católicos de falsos cristãos ou “semicristãos”. A ele respondeu Agostinho: “Julgas que deves tomar precauções ante os semicristãos, que afirmam sermos nós. Nós, pelo contrário, tomamos tais precauções ante os pseudocristãos, que demonstramos ser vós. Com efeito, o que é ‘semi’ em certa medida é imperfeito, mas não é falso.”[29]

Portanto, podemos afirmar que o envolvimento de Agostinho com o problema do mal, tanto durante sua fase maniqueísta quanto em sua posterior refutação, centra-se na questão do mal e de como conciliar a ideia de um Deus bondoso com os males existentes no mundo. Sua busca está voltada exaustivamente para encontrar uma resposta que explique a existência do mal de modo a preservar a bondade divina.

Nesse contexto, é fundamental examinar os principais aspectos da doutrina maniqueia que causaram a revolta de Agostinho, bem como as críticas formuladas por ele a essa seita e aos seus seguidores, com ênfase especial no problema do mal.

1.4 A ruptura de Agostinho com o maniqueísmo

Agostinho, em sua tentativa de responder a questionamentos internos de natureza filosófica e teológica, acabou se envolvendo com a seita secreta e religiosa dos maniqueístas. O jovem doutor desde sua juventude, demonstrou um profundo desejo de conhecer a verdade subjacente às suas indagações, com especial atenção ao problema da maldade humana e à inclinação ao pecado[30]. Contudo, ao longo de sua experiência em tal doutrina, Agostinho começou a se desagradar do pensamento maniqueísta e das suas argumentações sobre o mal. A insatisfação com as explicações maniqueístas acerca da presença do mal no mundo levou-o a se desvencilhar dessa doutrina, resultando em um processo crítico em relação às suas concepções. Assim, ele passou a formular suas próprias reflexões, buscando uma compreensão mais coerente e abrangente do problema do mal e da natureza divina.

Caí assim nas mãos de homens orgulhosamente extravagantes, demasiados carnais e loquazes. Havia na sua boca laços do demônio e um engodo, preparado com a mistura de sílabas do Vosso nome, do de Nosso Senhor Jesus Cristo e do paraclito consolador, Espirito Santo. Jamais esses nomes se retiravam dos lábios, mas eram apenas sons e estrépitos da língua. O seu coração estava vazio de sinceridade. Dizia: “Verdade e mais verdades!” Incessantemente me falavam dela, mas [ela] não existia neles! (Conf. III, cap. 6, p. 73).

É de se imaginar que, em consequência de sua criação e de seu espírito marcadamente religioso, vivendo em meio a uma cultura cristã em ascensão, Agostinho buscasse na Bíblia essa “sabedoria-verdade”. É provável que sua mãe tenha mencionado fragmentos da Sagrada Escritura, pois a forma e o objetivo da Sabedoria que ele desejava conhecer eram diferentes daquela reconhecida por Cícero. Como Agostinho expressa: “Porque tudo aquilo de que estivesse ausente este nome, ainda que fosse uma obra literária burilada e verídica, nunca me arrebatava totalmente” (Confissões, III, 4, 8).

Mas o que teria decepcionado o jovem Agostinho ao ler as Sagradas Escrituras? Em As Confissões ( III, 5, 9), o doutor menciona que, diante da majestade da obra de Cícero, a Bíblia lhe pareceu indigna e modesta, assim afirma: “Ao fixar a atenção naquelas Escrituras, não pensei então o que agora digo, senão simplesmente me pareceram indignas de se comparar com a majestade dos escritos ciceronianos”.

Esse descontentamento com as Sagradas Escrituras é revelador, especialmente se considerarmos o significado de suas palavras. Como observa Pizzolato[31], Agostinho teve uma formação essencialmente gramático-retórica, ou seja, “científica”. Desde seus estudos superiores em Cartago aos 19 anos até seus anos em Madaura, ele teve contato com os grandes retóricos e gramáticos de sua época, como Varrão, Jâmbilo, Apuleio e Cornélio Celso.

Portanto, segundo Costa (2014, p.20) sua abordagem e interesse pela leitura da Bíblia foi guiada mais por uma intenção retórica do que especulativa — um amor pela língua, e não de pectus, coração. Assim, imerso na eloquência dos antigos letrados, a forma literária da Bíblia certamente o desconcertou e desmotivou. Marrou, confirma essa argumentação, dizendo que a Bíblia parecia-lhe um livro estranho e grosseiro. Essa foi a impressão de Agostinho na adolescência e, antes dele, a de Jerônimo, Arnóbio e Lactâncio.[32]

Nesse sentido, mesmo após sua conversão ao cristianismo, Agostinho continuava angustiado e sem uma resposta satisfatória. “Ambrósio reduzirá a nada suas objeções maniqueístas contra as Escrituras (que estavam enraizadas em Agostinho) […], mas não conseguira dar-lhe, sobre a natureza e a origem do mal, explicações satisfatórias”[33].

As inquietações não cessaram e Agostinho continuou a se debruçar sobre a questão do mal, mas agora com um fundamento ontológico novo e, além disso, o objetivo do hiponense se configurou em refutar as ideias maniqueístas sobre o mal que em tempos passados afastaram Agostinho da verdade da fé e do bem. O seu maniqueísmo estava negado definitivamente, mas os problemas que o atormentavam apresentavam-se sob uma nova perspectiva, como diz Sciacca: “Agora que ele abandonou as crenças maniqueístas, os problemas e objeções apresentados pelos maniqueus ainda não haviam sido resolvidos, como a impossibilidade de conceber um Deus sem extensão e uma substância incorpórea, além da explicação da origem do mal. Essas querelas se colocam agora para ele em termos filosóficos”.[34]

Para melhor compreensão do mal como problema ontológico em Agostinho, estrutura-se a presente argumentação em alguns pontos norteadores: o envolvimento de Agostinho com o neoplatonismo e a superação do maniqueísmo. O mal na perspectiva maniqueísta e tudo que essa doutrina levava a crer, e o mal na perspectiva agostiniana, e tudo que sua reflexão sobre a maldade engloba e, por fim, o livre-arbítrio da vontade humana, como pura consequência da bondade divina.

Conforme verificada, a discussão relativa ao problema que será aqui tratado foi estruturada em três ângulos centrais: no primeiro plano, em análise ontológico-metafísica, o mal é definido como um nada, ou seja, o mal não é nada, eis que não passa de acidente, um distanciamento do bem; em outro eixo investigativo, denomina-se físico ou natural, em que há uma conexão do mal com o pecado tendo a centralidade da questão vinculada ao ser humano e o seu corpo; e, por fim, o único mal que Agostinho considera e chama-o de mal, denomina-se, moral uma perversão.

Dessa forma, o desejo deste trabalho é apresentar mais uma vez a sociedade hodierna que a resposta de Agostinho ao problema do mal é significativa e necessária. Agostinho conclui que o mal como uma realidade só pode ser identificado com o mal moral, que tem seu início e fim no homem e na sua vontade corrompida. Pois o mal metafísico-ontológico é visto como não ser, devido a não possuir substância e, por isso, sem existência concreta. O mal físico é consequência do pecado original, mediante a privação de um bem, por isso, é a reação do mal moral que impulsiona o corpo humano. De acordo com Agostinho, o mal por ser um desvio do bem e não possuir existência independente, só pode se chamar de mal, verdadeiramente, o moral.

2 O NEOPLATONISMO NO PENSAMENTO AGOSTINIANO

2.1 Agostinho a descoberta do neoplatonismo e a emancipação do maniqueísmo[35]

É no sétimo livro de suas confissões que Agostinho comenta sobre a descoberta do neoplatonismo[36] ainda em Milão. Esse encontro foi decisivo para concluir aquele desmoronamento das objeções maniqueístas contra o cristianismo que Agostinho se empenhou tanto (BRACHTENDORF. 2020, p.147). Sendo assim, o neoplatonismo se apresentou como um meio de superação do maniqueísmo. Foi justamente depois do seu envolvimento com o maniqueísmo, que o santo doutor de Hipona descobriu outra corrente de pensamento, esta por sua vez, de cunho muito mais elevado filosoficamente e agradável a ele. Em meio a tantas angústias, surgiu uma luz que Agostinho atribui à “mão oculta” de Deus. Nas suas “Confissões”, ele se refere a essa experiência como o “colírio das dores” (collyrio dolorum)[37], simbolizando a clareza e a compreensão que, mesmo em meio ao sofrimento, iluminaram seu caminho em busca da verdade sobre aquela inquietação recorrente em sua vida[38]. Em 386, Agostinho teve acesso a uma seleção de obras platônicas, as quais se revelaram fundamentais para o desenvolvimento de sua nova ontologia filosófica[39], particularmente em sua busca por respostas acerca da origem do mal, problema esse não respondido satisfatoriamente pelos maniqueus.

E primeiro, querendo Vós mostrar-me como ‘resistis aos soberbos e dais graças aos humildes’ […], deparastes-me, por intermédio de um certo homem, intumescido por monstruoso orgulho, alguns livros platônicos, traduzidos do grego para o latim.[40]

Esse importante contato que teve com as obras “platônicas” provocou uma transformação interior muito radical em sua vida, dissipando o véu que obscurecia a verdade, agora iluminada pelas ideias dos neoplatônicos, desvelamento realizado especialmente pela doutrina de Plotino. Por sua vez, comenta Costa que “o ponto de partida da filosofia de Plotino está assentado no velho problema da filosofia grega, especialmente de Platão e Aristóteles, da relação entre mundo sensível e mundo inteligível.”[41]

2.2 A ontologia no pensamento neoplatônico de Plotino

Plotino[42], era um filósofo neoplatônico nascido no Egito em 204 d.C., e falecido na Campânia, Itália, em 270 d.C., estabeleceu uma nova fundamentação para a metafísica clássica, situando-se entre Platão e Aristóteles em sua análise da relação entre o mundo sensível e o mundo inteligível.[43] Mesmo diante de tal dualismo, o mestre Plotino concebe sua filosofia fundamentada no “Uno” como um princípio infinito e ilimitado, que transcende o ser, o pensamento e a vida, um fundamento monista. Porém, não se deve entender o “Uno” de Plotino como a negação do ser, do pensamento ou da vida; ao contrário, ele é um super-ser, um super-pensamento e uma super-vida. Essa noção de unidade suprema é acentuada por Reale, que observa a profundidade e a implicação da concepção plotiniana na tradição filosófica que se seguiu com os primeiros cristãos e chegou até Agostinho.

Todo ente é tal em virtude de sua “unidade”; uma vez retirada a unidade, o ente também se retira. Existem princípios de unidade em diversos níveis, mas todos pressupõem um princípio supremo de unidade, que Plotino denomina precisamente de “UNO”. Platão já havia posicionado o Uno no vértice do mundo ideal, mas o concebia como limitado e limitante. Em contraste, Plotino concebe o “UNO” como infinito. Plotino descobre o infinito na dimensão do imaterial e o caracteriza como uma potência produtora ilimitada. Assim, enquanto a filosofia tradicional entendia o ser, a substância e a inteligência como finitos, Plotino coloca seu “Uno” acima do ser e da inteligência (REALE, 1990, p. 340).

Aqui, Reale infere que, em Plotino, o Uno é concebido como um ser que não possui fim nem limites, caracterizando-se por um poder ilimitado que se autogerencia. Para tal fim, Plotino apresenta uma explicação metafísica do cosmo pela teoria da emanação, onde tudo é explicado a partir de um único ponto ou princípio ontológico.

Reale também destaca que Plotino coloca o seu Uno acima da inteligência e do ser, uma vez que o termo “acima” se refere à infinitude do Uno, do mesmo modo diz Narbonne, afirmando que Plotino em contraste com a visão platônica que concebia o uno como limitado é superada, desse modo, o Uno de plotiniano é maior e está além do pensamento e da inteligência.[44] Seguindo a argumentação, Plotino apresenta dois termos para designar o Uno: o primeiro é o “Uno-em-si”, que representa a razão de ser de toda unidade. O segundo é o termo “Bem”, que não é apenas um bem para si mesmo, mas um Bem que se estende a todas as coisas que dele necessitam. Trata-se do super-bem, completamente transcendente.

Entretanto, Plotino se questiona sobre a razão da existência do absoluto e a natureza de seu ser. Ele nos oferece uma resposta, enfatizando que, segundo Reale:

O Uno se “auto-põe” e caracteriza-se como uma “atividade auto-produtora”; é descrito como “o Bem que se cria a si mesmo”. Ele é tal como deseja ser: “A sua vontade e a sua essência coincidem (…) e ele é assim como quis ser”. A razão pela qual ele quis ser assim reside no fato de que é “o que há de mais elevado que se possa imaginar” (REALE, 1990, p. 341).

Reale esclarece que o Uno é auto-produtor, ou seja, produz sua própria força e não depende de fontes externas de energia. Ele mesmo se criou, não tendo outra entidade que lhe conferisse a vida. O Uno é o que é, possui seu próprio pensamento e age de acordo com sua vontade, destacando-se por uma atividade auto-produtora e uma total liberdade criadora.

Para isso, Plotino oferece uma explicação metafísica do cosmos por meio da teoria da emanação, na qual tudo é compreendido a partir de um único ponto ontológico: o Uno. No princípio, o Uno representa a totalidade do ser, configurando um monismo absoluto. A partir desse Uno, todas as coisas procedem por meio da processão (emanatismo). Além disso, Plotino esclarece que a transição do Uno à multiplicidade dos seres não ocorre de forma direta; ao contrário, tudo deriva do Uno por meio de desdobramentos ou processões[45] que manifestam diferentes graus de perfeição, dispostos hierarquicamente.

2.3 O sistema cosmológico de plotino

Plotino mantendo um aparente dualismo, pelo menos por questões metodológicas, conforme menciona Costa (2014, p.99), segue o sistema platônico ao dividir a realidade (o Todo) em dois mundos ou níveis: o mundo inteligível e o mundo sensível. Essa distinção reflete uma organização hierárquica do cosmo plotiniano, onde cada um desses mundos se desdobra de maneira a obedecer certos princípios de perfeição. No mundo inteligível, portanto, ele nos apresenta uma tríade formada pelas três hipóstases primordiais: no topo está o “Uno”[46], o super-Bem; a partir do Uno, surge a segunda processão, o Nous ou inteligência[47], que é a cópia do Uno e a mais perfeita de suas processões. Como bem nos apresenta Costa:

Ela marca o início da multiplicidade, pois, embora seja a processão mais próxima do primeiro princípio, a inteligência ou espírito apresenta uma divisão interna: por um lado, contempla diretamente o Uno, do qual é parte, e, por outro lado, contempla a si mesma, tornando-se a razão consciente de si mesma (COSTA, 2002, p. 162–163).

Por último, encerrando as emanações, temos a terceira processão, que é a Alma Universal[48] ou Alma do Mundo, entendida como uma substância espiritual. De acordo com Costa, essa Alma deriva do espírito, o “Nous”, conferindo vida a todos os corpos e seres, ordenando-os, dirigindo-os e governando-os. Segundo Reale:

A alma, assim, tem uma ‘posição intermediária’ e, portanto, apresenta “duas faces”, pois, gerando o corpóreo, embora continue a ser e a permanecer uma realidade incorpórea, ‘acontece-lhe’ relacionar-se com o corpóreo por ela produzido, mas não de maneira corpórea. Ela pode, portanto, entrar em qualquer parte do corpóreo ‘sem desviar-se da unidade do seu ser’ e, assim, pode tornar-se toda-em-tudo (REALE, 1990, p. 344).

Para Reale, a Alma possui uma pluralidade, sendo Uno em muitos. Ou seja, existe uma hierarquia de almas, que inclui, por exemplo, a Alma Suprema, que permanece em estreita união com o espírito do qual provém; a Alma do Todo, que é a criadora do mundo e do universo físico; e, por último, as Almas particulares, que animam os corpos e todos os seres vivos. Todas essas Almas, conforme Reale (2002, p. 344–345), derivam da primeira, mantendo com ela uma relação de uno-e-muitos, além de serem “distintas” da Alma Suprema sem, no entanto, estarem “separadas” dela[49].

Essas três hipóstases[50] do mundo inteligível — o Uno, a inteligência e a Alma do mundo — correspondem, segundo Costa, às três emanações[51] ou realidades transcendentais do Bem, da Verdade e da Vida. Há também uma hierarquia entre elas, como nos aponta Costa:

Em Plotino, apesar do monismo, onde tudo deriva e retorna ao Uno, observa-se uma superação ou subordinação hierárquica entre as três hipóstases, sendo as duas últimas emanações da primeira. Ademais, a terceira hipóstase, a Alma, não emana diretamente da primeira, mas indiretamente, por meio da segunda. Isso implica a existência de degraus inferiores de perfeição, resultando em uma degradação hierárquica ou diminuição da perfeição, ou ainda despotencialização, não no Uno, que permanece perfeito, pois este pode dar sem perder, mas nas processões sucessivas (COSTA, 2002, p. 164–165).

Essa hierarquia plotiniana evidencia a subordinação do Uno, que ocupa uma posição de superioridade em relação às demais hipóstases, ou seja, entre a inteligência e a Alma. A Alma, por sua vez, não possui uma ligação direta com o Uno, resultando em uma degradação entre as hipóstases, conforme nos informa Costa.

Diferentemente de sua fase maniqueísta, na qual identificava Deus e a natureza como um ser corpóreo, Agostinho agora concebe Deus como uma substância espiritual e transcendente, a partir da qual todas as coisas emanam. Ele compara o Nous de Plotino ao Verbo do Evangelho de São João, no capítulo 1, enfatizando essa nova perspectiva sobre a divindade.

Entrei e, com a vista da minha alma, percebi, acima dos meus olhos interiores e do meu espírito, a Luz imutável. Essa Luz não era o brilho comum que todos podem ver, nem pertencia ao mesmo gênero, embora fosse incomensuravelmente mais intensa. Ela brilhava de maneira muito mais clara, abrangendo tudo com sua grandeza. Não se tratava de nada disso, mas de algo muito diferente. Essa Luz não pairava sobre meu espírito como o azeite sobre a água, ou como o céu sobre a terra; era muito mais elevada, pois Ela mesma me criou, e eu sou inferior a Ela, uma vez que fui criado por Ela (AGOSTINHO, 1980, VII, 10, 16).

O maior desafio na doutrina emanentista de Plotino reside na transição do mundo inteligível para o mundo sensível: como conciliar a realidade perfeita com a natureza finita? Para responder a essa questão, Plotino incorporou à sua teoria da processão a matéria e os seres corpóreos. Tudo, incluindo o mundo sensível, emana do Uno, por meio de inúmeras processões que englobam graus intermediários de perfeição. Essa multiplicidade de seres corpóreos não diminui a essência do Uno; ou seja, o Uno permanece integral, sem perder ou reduzir sua potência. Conforme Costa:

O Uno pode expandir-se por todas as substâncias, tanto espirituais quanto materiais, sem perder nada. A processão é, na verdade, um desdobramento interno das riquezas virtuais e infinitas do primeiro princípio. A irradiação e a luminosidade do Uno permeiam tudo, alcançando até o grau mais ínfimo (a matéria), que representa o extremo oposto ao primeiro princípio (Uno). (COSTA, 2002, p. 173).

Desse modo, Costa nos mostra que o Uno é identificado como uma realidade maior que as substâncias espiritual e materiais e, ao se expandir sobre elas, não perde sua potência; ou seja, continua a ser o que é, a saber, princípio e causa dos outros.

O “Nous” procede do Uno, que, por sua vez, engendra a Alma. Esta, por necessidade, engendra a matéria, que se torna o espaço da multiplicidade e, consequentemente, a possibilidade do mal. Para tanto, Reale infere que: “a matéria é ‘mal’: mas, no caso, o mal não é uma força negativa que se oponha ao positivo, mas simplesmente a falta ou ‘privação’ do positivo” (REALE, 1990, p. 345). Reale argumenta que, na ausência do bem, o mal encontra seu lugar na matéria; ou seja, onde não há bem, aí está o mal.

Em Plotino, segundo Reale, a matéria também é considerada como não-ser, pois deriva de sua causa como a possibilidade última, ou seja, representa um enfraquecimento da força produtora. A matéria é, portanto, diversa do ser e está sob ele, ou seja, é privada de todo bem e desprovida de toda positividade, tornando-se uma exaustão devido ao seu enfraquecimento, e assim, está separada do Uno. A matéria não nasce da Alma Suprema, mas do limite extremo da Alma do universo, onde ocorre um enfraquecimento da contemplação, pois a Alma se volta mais para si do que para o Espírito.

A matéria é, assim, o extremo limite do Uno; para além dos limites da matéria, não há mais processão alguma, ou seja, não existe mais nada. Ela é o lugar da obscuridade, da multiplicidade e, portanto, a fonte ou possibilidade do mal. Por essa razão, Plotino se refere à matéria em seu estado de natureza pura — isto é, sem estar unida à Alma do mundo para formar o ser — como privação ou defecção: a falta de forma, a indeterminação e o distanciamento do Bem, que constitui o não-Ser, a que Plotino se refere como “nada” (COSTA, 2002, p. 178–179).

O Uno é o ilimitado, a superpotência que se auto cria e se governa, a partir do qual todas as coisas procedem. Não possui fim, pois é ilimitado, e não deixa de ser, uma vez que é exatamente como deseja ser. Com base nessas afirmações, Agostinho elaborou sua resposta ao problema do mal.

A noção de não-ser, que Plotino identifica como “nada”, foi de fundamental importância para Agostinho superar o materialismo maniqueísta e abordar a questão do mal. No entanto, Agostinho percebe que ainda falta algo para resolver essa questão, visto que Plotino concebia o mal como inserido no mundo material. Para Plotino, a matéria contribui para a existência do mal, e este é de ordem natural, ajustando-se à ordem do universo. Assim, Agostinho se diferencia dos maniqueus, que relacionavam o mal exclusivamente à matéria, como nos relata Costa:

Em Plotino, o mal é considerado algo necessário, pois, para que as coisas participem do ser, é preciso que o mal também exista. De acordo com ele, “o mal não é senão um corolário da diversidade essencial e necessária dos seres criados e da limitação essencial e necessária do ser contingente”. O mal é, portanto, apenas um limite, a negação do bem maior e, nesse sentido, não afeta a beleza do universo. De certa forma, pode ser visto como um “bem” necessário, reduzindo o mal a um problema puramente estético na ordem natural do universo. No entanto, essa posição ainda não satisfazia plenamente o coração inquieto de Agostinho (COSTA, 2002, p. 181–182).

Para Plotino, conforme Costa, o mal é considerado inserido no mundo, tornando-se, assim, a negação do bem. Ele é um ser necessário, um “bem”, pois, como vimos, não afeta a beleza do universo. No entanto, Agostinho concebe o mal como algo que não é natural e que está longe de possuir uma ordem ou fazer parte dela. Pelo contrário, o Bispo de Hipona identifica o mal como protagonista da desordem no mundo, ressaltando que:

Apesar de não Vos conceber sob a forma de um corpo humano, eu sentia a necessidade de imaginar-Vos como algo corpóreo, situado no espaço, quer imanente ao mundo, quer difundido por fora dele, através do infinito. Era esse o ser incorruptível, indeteriorável e imutável, que se opunha ao que é corruptível, sujeito à deterioração e à mudança. Tudo o que concebia como não ocupando espaço me parecia um nada absoluto, e não um vácuo, como ocorreria se arrancássemos um objeto de um lugar, deixando-o vazio de qualquer corpo terrestre, úmido, aéreo ou celeste. Nesse caso, um lugar vazio seria, de certo modo, um nada espaçoso (AGOSTINHO, 1980, VII, 1, 1).

Porém, tanto o maniqueísmo, com seu dualismo ontológico-materialista — que propõe que o mundo foi criado a partir de duas forças originárias, uma do Bem e outra do Mal, coexistindo desde o princípio e sendo coeternas na matéria — quanto o neoplatonismo, com seu monismo racional-naturalista — que considera que o mundo foi criado a partir de um único ser, e que o mal não tem seu princípio na matéria, mas é apenas uma deficiência do bem — compartilham o objetivo de livrar Deus da culpa pela origem do mal. O maniqueísmo afirma que o mal é uma substância corpórea, identificada na matéria, enquanto o neoplatonismo vê o mal como uma privação do bem, não sendo identificado como um ser.

Portanto, é através da leitura dos neoplatônicos, especialmente de Plotino, como já destacamos anteriormente e, de modo especial, pelo contato com as “Enéadas”, e com o auxílio do Bispo Ambrósio que por meio dos seus sermões afirmava ser Deus o criador de todas as coisas a partir do nada (ex nihilo) e que tudo o que Ele criou é bom. Com esse contato, Agostinho compreende que Deus não pode ser o autor do mal.[52] Para ele, o mal não constitui uma substância, pois não foi criado por Deus e, portanto, não existe. Agostinho se convence cada vez mais das verdades do cristianismo, utilizando-as para formular uma resposta definitiva ao problema do mal.

Agostinho isenta Deus de ser o autor do mal, identificando-O como o Sumo Bem, criador de todas as coisas, e afirmando que, fora D’Ele, nada existe. Contudo, ele se vê na necessidade de identificar a origem do mal, questionando: como um Deus que é bom e criador de todas as coisas poderia ser o autor do mal? De onde vem o mal? Qual é a sua origem? Para responder a essas questões, Agostinho passa a centrar no homem a responsabilidade pelo problema do mal, atribuindo-o ao mau uso do seu livre-arbítrio.

3 O PROBLEMA DO MAL NO UNIVERSO AGOSTINIANO

3.1 Agostinho frente ao paradoxo maniqueísta sobre o mal

Em suas Confissões, Agostinho afirma que durante um período de sua vida, direcionou sua investigação sobre a busca pela verdade ao questionar como é possível que o bem e o mal pertençam à mesma substância, como defendiam os maniqueístas. A questão agostiniana é apresentada do seguinte modo: como uma substância poderia, em si mesma, gerar outra e, ao mesmo tempo, ser sua própria contradição e negação, sustentadas por um mesmo princípio de forças equivalentes e contrárias?

Mas teria podido conhecer a verdade, se meus olhos só alcançavam o corpo e meu espírito não via mais do que fantasias? Eu não sabia que Deus é espírito e que não possui membros com medidas de comprimento e largura, nem é matéria, pois a matéria é menor em sua parte do que em seu todo. Ainda que a matéria fosse infinita, seria menor em alguma de suas partes, limitada por certo espaço, do que em sua infinitude; nem se concentra inteiramente em qualquer parte, como o espírito, como Deus (AGOSTINHO, 1984, p. 53).

Sendo assim, um dos grandes méritos para Agostinho em sua controvérsia contra os maniqueístas foi o de impulsionar o mestre hiponense a desenvolver uma estrutura argumentativa abrangente de pensamento com o objetivo de refutar e demonstrar que, sob sua perspectiva filosófico-teológica, o sistema maniqueísta não oferecia uma resposta satisfatória à questão do mal e afastava o homem da verdade.

Tal reflexão levou Agostinho a aprofundar-se nas implicações filosóficas e teológicas do mal, tendo se frustrado com a inadequação das explicações maniqueístas sobre o tema ele ressaltou a necessidade de uma abordagem que valorizasse a natureza de Deus como supremo bem e origem de todas as coisas boas[53]. Por exemplo, quando afirma em “Sobre a Natureza do Bem”, Agostinho declara: “Todas as coisas boas, quer grandes ou pequenas, em qualquer dos seus graus, não podem existir senão por Deus e toda a natureza, enquanto natureza, é um bem.”[54] Nesse contexto, ele argumenta que, mais do que isso, somente o bem realmente existe; ou, em um sentido inverso, onde não há bem, não há ser, e vice-versa. Essa perspectiva reflete sua busca por uma compreensão ontológica da realidade, onde a existência do bem é intrinsecamente ligada à essência de Deus.

As coisas nas quais o modo, a espécie e a ordem são grandiosos são consideradas grandes bens; aquelas em que esses aspectos são diminutos são pequenos bens; e onde esses elementos não existem, nenhum bem está presente. Ademais, onde essas três características são elevadas, as naturezas também são grandes; onde são reduzidas, as naturezas são pequenas; e onde não existem, não há natureza alguma. Portanto, conclui-se que toda a natureza é boa.[55]

O pensamento Agostiniano relativamente ao problema ontológico do mal tem por interesse ir de encontro aos postulados maniqueístas, que segundo ele,

(…) quanto melhores na verdade, eram as fábulas dos gramáticos e poetas do que a daqueles enganosos laços. (…) Mas — ai! ai de mim! — Acreditei nos erros dos Maniqueístas. Por que passos ia descendo até ao profundo do inferno, trabalhando e consumindo-me com a falta da verdade, quando eu Vos procurava! (Conf. III, cap. 6, p. 75).

Essa forte insatisfação com a doutrina maniqueísta levou Agostinho a desenvolver tão robustamente o seu pensamento. Porém, sem dúvida, conforme ele mesmo aponta nas “confissões”, foi somente um simpatizante dos maniqueístas.[56] Do mesmo modo, o fato de Agostinho não ter abraçado completamente a seita maniqueísta explica por que ele manteve, por um período razoável de tempo, contato com tal filosofia. Foi exatamente essa interação que permitiu-lhe explorar as ideias maniqueístas, posteriormente, o que, por sua vez, contribuiu para o desenvolvimento de suas próprias reflexões teológicas e filosóficas, levando-o a formular críticas precisas e a buscar uma compreensão mais profunda da questão do mal.

Portanto, faz-se necessário ocupar-se neste momento com a exposição dos postulados dos seguidores de Mani a respeito de um dualismo entre o bem e o mal, que são compreendidos, por eles, como princípios opositores destituídos de oposição hierárquica. Assim, o bem e o mal, para a doutrina maniqueísta estão em condição de igualdade, em uma eterna rivalidade.

Diante dessa dita sedução da qual Agostinho afirma ter sido vítima forçosa, fica a indagação: afinal de contas, o que sustentava o maniqueísmo e quais os fundamentos desse grupo tão refutado em sua obra? Quando se questiona sobre as reais sustentações dos maniqueus acerca do problema do mal, há de se considerar que a resposta a esse questionamento não é das mais fáceis, haja vista que atualmente não há fontes originárias dos escritos maniqueístas e, portanto, deles o que se sabe são retratos de comentaristas e estudiosos do seu pensamento.

3.2 A Concepção do Mal na Doutrina Maniqueísta

O início deste primeiro capítulo dedica-se à definição e explicação do mal sob a perspectiva maniqueísta, considerando que Santo Agostinho esteve profundamente imerso nesta corrente religiosa e filosófica durante uma parte de sua vida. Sua experiência e combate contra o maniqueísmo exerceu uma influência significativa em seu pensamento, tanto antes de sua conversão ao cristianismo quanto posteriormente, realizando várias refutações dos pontos centrais dessa doutrina, quando procurou demonstrar que as premissas maniqueístas estavam equivocadas[57] em relação às suas afirmações sobre a verdade, criação, o bem e Deus.

3.2.1 O Mal no pensamento maniqueísta

O interesse de Agostinho em se aproximar do maniqueísmo decorreu de sua busca por uma explicação racional para questões fundamentais que afligiam sua mente, tais como a origem do mundo, a natureza do bem e o problema do mal. O maniqueísmo, caracterizado como uma doutrina dualista, preocupava-se especialmente com a gênese do mal. Ele postulava que tanto o bem quanto o mal possuem causas distintas, levantando a questão central que ainda ressoa entre muitas pessoas hoje: se Deus é o autor do bem, como poderia ser também a origem do mal? Assim, a indagação acerca da procedência do mal conduz a uma resposta que se insere em uma ordem ontológica-cosmológica-materialista. Essa perspectiva reflete a complexidade das interações entre diferentes conceitos filosóficos e teológicos na busca por compreensão.

Mani construiu um complexo edifício religioso de ideias, que em várias passagens incorpora estritamente concepções judaicas e cristãs. No entanto, ele se distingue nitidamente em outras áreas, evidenciando a singularidade de seu sistema de crenças (BRACHTENDORF, 2020, p. 90). O maniqueísmo constrói a história do cosmo dividindo ela em três tempos: o primeiro tempo, ou inicial, é a origem ontológica dos dois reinos; o segundo tempo, o médio, é uma mistura entre os dois reinos que se caracterizava pela queda de uma parte da luz na matéria, tendo o início da luta entre os dois reinos; e o terceiro tempo, o final, é o retorno definitivo da luz misturada na matéria, com entrada de todas as almas no reino do Pai e a queda da matéria e dos demônios no inferno tenebroso.

Desde o início da eternidade, existem dois princípios, o Reino da luz e o das trevas, do bem e do mal. Sendo que o primeiro, o reino da luz, está situado no alto e é a casa do Pai da grandeza, que se chama Deus, seu domínio é o reino da luz, e essa luz é imaculada e somente pela razão pode-se vir a perceber, mas, pelos sentidos é inviável a percepção desta luz. Para a doutrina maniquéia, o deus (luz) é semelhante ao Deus do cristianismo, mas apesar de que o deus maniqueu tenha uma natureza espiritual, ele é totalmente diferente, pois é um ser corpóreo[58], não com uma forma limitada ou finita, como a humana, porém, infinita e ilimitada.

Agostinho, em suas Confissões, discute a mudança de concepção a respeito de Deus frente à visão maniqueísta, que ocorreu a partir de sua descoberta do neoplatonismo, especialmente por meio da influência de Ambrósio e de seus sermões. Ele argumenta que os maniqueus eram incapazes de conceber uma substância que não fosse corpórea, material, incluindo a própria substância de Deus. Para eles, Deus era um ser corpóreo, embora não tivesse uma forma humana, pois o antropomorfismo lhes parecia inaceitável. Essa limitação na compreensão do divino revela a necessidade de uma nova perspectiva que se distancia do materialismo maniqueísta e se aproxima de uma visão metafísica mais abstrata de Deus. Ou seja, até ouvir os sermões de Ambrósio, Agostinho não imaginava a possibilidade de uma substância espiritual. Deus para os maniqueístas, é uma substância corpórea.[59]

Encontra-se representações do deus dos maniqueus como força física, como uma luz de raios, talvez, por isso, os maniqueus adoravam o sol, a lua e consequentemente a doutrina maniquéia é também chamada de “teologia solar”, pois essa luz é composta sob cinco formas: luz, beleza, paz, vida da alma do mundo e força da cruz de luz. Para a doutrina maniqueísta, o deus da luz tinha uma concepção onde ele era uno e múltiplo tanto o Pai quanto o seu reino eram da mesma natureza (panteísta).[60] O segundo reino, reino das trevas, tem como seu chefe, satanás, que tem o domínio das trevas, que é mal quanto a sua natureza, sendo esta também física, limitada e infinita. Ele é identificado como noite do erro, da matéria, da carne e do desejo e, também, é composto por cinco filhos do mal: trevas, água, vento, fumo e fogo.

Estes dois princípios, segundo os maniqueus são iniciados ou co-eternos, e esses dois reinos ou princípios têm poderes idênticos, pois ambos têm poder de criar, ou de emanar em igualdade e valor. Eles afirmam que a luz é superior às trevas, por suas qualidades intrínsecas de bondade, beleza e inteligência, e essas qualidades causaram inveja ao reino das trevas sendo o motivo do início da luta entre eles.

Tal é a origem ontológica da mistura entre bem e o mal que justificará para sempre a necessidade de um salvador [identificados como] (dentre eles, Cristo e Mani), que liberte as partículas da luz, ou a alma boa das armadilhas da matéria.[61]

Para os maniqueus, é tão natural que exista uma substância de luz que se chama Deus, e outra contrária, trevas, que este confronto entre Bem e o Mal existirá por todos os séculos e se encaminhará para uma batalha cósmica. Agostinho critica veementemente este deus do maniqueísmo, visto que a natureza deste deus é corruptível e tão má quanto a natureza do Príncipe das trevas, sendo, portanto, impossível que este deus fosse um Deus sumamente bom, justo e perfeito.

No segundo momento, o espírito vivificador salva o homem primordialmente das trevas, mas deixou seus cincos filhos misturados à matéria, parte de si mesmo. Então o espírito vivificador (Demiurgo)[62] , tenta organizar a substância que ficou mesclada, criando as montanhas, o céu, a terra, os astros, as estrelas, o sol, a lua, os planetas e os colocou em movimento, gerando os dias, as semanas, os meses e os anos. Mas ainda não estava completa a criação ou emanação, faltava uma terceira emanação.

[…] o terceiro enviado adota a bela e majestosa forma feminina de virgem da luz, ou Mãe da vida, que na sua desnudez radiante, excita os desejos carnais dos arcanjos do mal, que expelem seu esperma. Seu pecado cai sobre a terra úmida, fecundando-a, dando origem às árvores e aos animais, dentre eles a primeira culpa de seres humanos, Adão e Eva.[63]

Para a filosofia maniqueia, todos os seres viventes, vegetais, animais e humanos são mistura de matéria com luz. Nenhuma criatura emanou ou nasceu diretamente de Deus, somente os seres (homem primordial e o espírito vivificador), os outros seres são misturas da matéria com luz e trazem em si as duas naturezas, a boa e a má ao mesmo tempo. Este é um ponto de muita importância para a doutrina maniqueísta ao qual reconhece a consubstancialidade entre a alma humana (alma boa) e Deus, pois a partir da libertação da alma, Deus está libertando a si mesmo, visto que a alma é uma parte sua.

Tal pensamento se apresenta como contraditório para Agostinho. Por sua vez, ele refuta essa concepção ao argumentar que, se houvesse uma substancialidade entre Deus e a alma humana, isso implicaria que Deus seria corruptível em algum sentido, mesmo que essa alma em questão fosse virtuosa. Para o doutor da Graça, Deus não está sujeito à corrupção, passividade, invasão ou mancha, o que reafirma sua natureza incorruptível e transcendente no ser divino. Enfatizando a distinção essencial entre a divindade e a humanidade, preservando a pureza e a imutabilidade de Deus em relação às imperfeições do mundo criado (Victor e Rocha, 2019, p. 22). Deus não pode sofrer corrupção: “ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15).[64]

3.2.2 O Mal Moral no Sistema Maniqueísta

É inegável que um dos pontos centrais no maniqueísmo é a questão do mal moral no homem. Ali, naquele ambiente, muitas pessoas acreditavam ter encontrado a solução ou resposta a este problema. Sabendo que para os maniqueus o homem não era totalmente livre, pois uma de suas partes era ontologicamente má e determinadamente condenado a fazer o Mal.

Acredita-se no maniqueísmo que existem duas almas no homem — antagônicas –, uma boa que vem de Deus e uma má que vem do demônio. O ponto de partida para o pecado é a mistura da alma boa com a alma má, mas a alma boa não é responsável pelo mal que ela está subordinada às necessidades e o pecado é conatural a alma encarnada. Desta forma, o Mal é algo natural e não moral. Ou seja, o mal é algo natural, e não moral […]. O mal moral propriamente dito não existe no maniqueísmo, mas só o físico ou cósmico. Isso significa que o problema do mal no maniqueísmo se situava no nível ontológico-cosmológico-materialista.[65] Segundo a doutrina maniquéia, o homem não é responsável pela prática do mal, porque ele já está deterministicamente marcado para fazer o mal, pois faz parte de sua natureza (parte má da matéria), e é algo quase como involuntário, que não traz a parte de sua livre escolha.

Assim, a moral individual estava perfeitamente enquadrada dentro do sistema cosmológico como um todo, pois, do mesmo modo que o universo físico, o Mal presente no homem não estava relacionado a Deus que, na sua natureza, é bom; mas a um princípio ontológico independente, o reino das trevas ou a matéria tão poderosa quanto Deus.[66]

Neste conceito, o bem é apresentado como passível de ser corrompido pelo mal e dele vir a ser prisioneiro, e ainda coloca o homem em um dilema: de um lado a alma boa ou parte dela está presa à matéria, que está deterministicamente sujeita a praticar o mal e assim, fica fácil a quem culpar o mal moral no homem, ou seja, ele não é culpado pelo mal que pratica, recai no princípio ontológico do mal, pois até que poderia libertar-se do mal e chegar ao reino da luz, por meio de um processo de autoconsciência, quando o espírito toma consciência de si dentro da matéria e procura a sua salvação, mas este ato não é livre, não escolhe entre o bem ou mal, este ato se dá por acidente.

A moral maniqueia exigia ainda uma outra condição, uma rigorosa vida ascética daqueles que eram seus adeptos, mas principalmente os chamados “Santos”, e esta moral ascética maniqueia está sedimentada sobre cinco mandamentos: a) dizer sempre a verdade ou não mentir, b) a não violência ou não matar; c) comportamento religioso ou não comer carne e não ingerir bebidas alcoólicas; d) pureza da boca ou ser puro; e) bem-aventurança ou pobreza bem-aventurada.[67]

A vida dos seguidores do maniqueísmo deveria ser pautada em extrema austeridade: a profissão de fé; a oração; a esmola; o jejum, e a peregrinação[68], haja vista que, como foi dito no tópico acima, o homem deveria ter consciência de que ele estava inserido em um cenário de constante conflito entre o bem e o mal. Desse modo, um grande número de atos de abstinência deveria ser seguido pelos adeptos ao maniqueísmo.

4 O PROBLEMA DO MAL DENTRO DA PERSPECTIVA AGOSTINIANA

4.1 O problema do mal e os maniqueus

Uma das questões que mais intriga a humanidade, desde os tempos antigos até os dias atuais, é o problema do mal. Este tema se opõe diretamente à aspiração humana pela felicidade e pelo bem. Diante disso, surge uma pergunta fundamental: se o ser humano é criado por Deus e busca incessantemente o bem e a felicidade, e se, conforme a afirmação de (Gn 1, 31), tudo o que Deus fez é bom, por que, então, o mal existe?

Tal questão de saber se o bem e o mal podem pertencer à mesma substância foi uma inquietação recorrente na mente do homem Agostinho. Essa aparente contradição, que invade o pensamento humano, motivaram também as indagações de Evódio sobre o tema do livre-arbítrio. Dificuldade essa, repleta de incertezas e, representou, nesse primeiro momento da vida de Agostinho, um obstáculo significativo, segundo o próprio doutor, impedindo que os seres humanos pudessem contemplar a verdade em sua plenitude de Sumo Bem.

Essa constante presença do mal parece implicar a ausência de um Deus Sumo Bem. Por causa do mal se nega à existência de Deus, mas, muitas vezes, o que se quer realmente é responsabilizar a Deus pelo sofrimento causado pelas ações de suas criaturas. É fato que causa estranheza saber que o universo é perfeitamente ordenado, mas o mal acontece dentro dessa mesma ordenação. Muitas pessoas adotam o ateísmo como uma posição filosófica, frequentemente motivadas pela percepção de que a presença da maldade no mundo contradiz a ideia de um bem divino. Agostinho em sua vida já realizava tal questionamento:

Mas de onde mesmo vem o mal se Deus é bom e fez todas as criaturas boas? O onipotente teria sido impotente para converter a matéria, de modo que nela não permanecesse mal nenhum? Que onipotência era a sua se não podia criar algo de bom sem auxílio de matéria não criada por ele?[69]

Agostinho de Hipona era um notável questionador, que frequentemente levantava questões sobre o problema do mal, buscando respostas junto a diversas pessoas. Ele acreditava que a resolução desse problema deveria ser compatível com a bondade e a sabedoria divinas. No entanto, apesar de seus esforços, o problema do mal continua a ser um enigma é um assunto de grande mistério. É um mistério justamente porque tudo que Deus fez era muito bom, especialmente o homem (Gn 1, 31).[70]

4.2 A perfeição da criação divina e a impossibilidade do acaso

Antes de adentrar na origem do mal. Faz-se necessário elencar que um dos maiores pontos da fé cristã é a crença que em todo o universo se vê a bondade de Deus, pois todas as coisas são totalmente ordenadas. O bem reina na criação. Inclusive isso é um dos argumentos das 5 provas da existência de Deus de Tomás de Aquino: a inteligência ordenadora. Mas, sempre volta a grande questão, se Deus é inteligente, fez o bem, então por que o mal?

Percebe-se que Agostinho se preocupa totalmente em salvaguardar a obra da criação (universo), da infernal doutrina maniqueia, postulando que, uma vez sendo Deus o criador de tudo, não seria Ele o responsável pelos males no mundo. A intenção de Agostinho é mostrar que o mal não se encontra no universo ou ainda, que ele não é nada e não forma nenhuma substância ontológica, como diziam os maniqueus. É a partir disso, que pode-se falar do mal e buscar uma origem ou causa para tal, a saber: no livre-arbítrio e na vontade. Diante do ponto de vista do maniqueísmo, Agostinho se perguntava:

Tais eventos fazem parte da ordem natural do universo ou são frutos do acaso? Ou, como podemos explicar os males no universo, se acreditarmos que a divina Providência vigia e governa a criação? Ou seja: devemos concluir que a Providência divina não se interessa pelos pormenores, mas somente pelo plano geral e que, portanto, há lugar para o acaso no universo? Ou devemos pensar que o próprio Deus é autor dos males?[71]

Nesse sentido entra em ação a perspectiva do acaso, se ele pode existir ou não, podendo-se perguntar: o que realmente dá origem a um evento fora do curso ordinário de eventos? Será que pode algo acontecer por acaso? Nota-se aqui que quando Agostinho levanta questionamentos como esses, traz ocultamente em seus pensamentos, a aporética do mal, já que através dos sentidos, pode se notar os males presentes no universo.

Agostinho tendo a intenção de solucionar tais questionamentos conclui que Deus tudo criou e tudo governa, sendo, portanto, impossível que alguma coisa aconteça no universo por mero acaso, pois, no plano divino Agostinho percebe que tudo tem uma causa.

Assim sendo, não resta nada que não esteja dentro da ordem do universo e que não venha senão de Deus. Isso impossibilita tanto a existência do acaso quanto de um outro princípio originante em si mesmo, além de Deus. No entanto, é levantada outra questão, vinda de Trigêncio, que se tudo está dentro da ordem, então o mal também está dentro da ordem. Nota-se que esse problema tem como base o senso comum que está mais preocupado com os males que rodeiam o homem, isto é, aqueles captados via experiência sensível. Há nesta problemática um paradoxo, pois, por um lado, o mal, ou melhor, os efeitos do mal, existem, cercam e amedrontam a humanidade e, por isso mesmo, devem estar dentro da ordem do universo, uma vez que nada se encontra fora dele. Por outro lado, o mal não pode existir em si mesmo, não pode ter consistência ontológica, pois, do contrário, teria de ser obra de Deus, já que nada existe no universo que não tenha sido feito por Ele.

Agostinho apresenta duas respostas, dizendo num primeiro momento que sim, que os males, ou efeitos do mal, enquadram-se na ordem do universo. Por fim, essa discussão continua, e Agostinho defende seu ponto de vista até o fim de sua vida, assumindo a posição que, no universo, criado e governado por Deus, não há espaço para a existência do mal ou que o mal em si não existe. Esses chamados “males”, ou são apenas efeitos do mal, ou não passam de uma visão deturpada do universo.

4.3 O Preâmbulo da Argumentação Agostiniana: a doutrina Maniqueísta do Mal

O problema do mal é uma das inquietações agostinianas recorrentes e que, mais tarde, tornou-se uma questão de suma importância em seu pensamento filosófico-teológico, após sua conversão ao Cristianismo, essa dificuldade foi, sem dúvidas, o problema do mal, mais precisamente, a respeito de sua origem. Mesmo antes de sua conversão aos 32 anos, Agostinho muito se intrigava com o fato de o homem pecar e se deleitar com a sua própria maldade. Em suas confissões relatou,

(…) e eu quis roubar, e o fiz, não por necessidade, mas por falta de justiça e aversão a ela por excesso de maldade. Roubei de fato coisas que já possuía em abundância e da melhor qualidade; e não para desfrutar do que roubava, mas pelo gosto de roubar, pelo pecado em si (Conf. II, 4, 9).[72]

Agostinho então buscava, pois, as razões dessa maldade e as encontrou, primeiramente, no pensamento maniqueísta, fundado por Mani e que, reunindo elementos do zoroastrismo e do cristianismo, ofereceu naquele primeiro contato uma via racional de acesso à verdade [que o jovem Agostinho tanto buscava], e uma metafísica de cunho fortemente materialista, de cujas ideias Agostinho compartilhou por nove anos de sua vida. (COSTA, 2003 e AGOSTINHO, 2006). Não obstante, tratar desta questão remete a duas questões fundamentais no pensamento agostiniano: porque Deus permite o livre-arbítrio, se ele é um bem ou um mal, o que é o homem e se ele possui realmente escolhas diante da vontade divina.

Acerca dessas importantes questões, em sua obra A Natureza do Bem, Agostinho realiza a refutação de muitas das teses maniqueístas, entre elas a que sustenta ser a natureza humana constituída de dois Princípios puramente antagônicos que se opõem mutuamente: o Bem e o Mal, ou dizendo de outro modo, a Luz e as Trevas. Nessa perspectiva, o Bem, sendo sempre passivo, seria constantemente “invadido” pelo Mal que lhe contrapõe.

Com efeito, eles sustentam que algumas almas, formadas da mesma substância de Deus, e que não tinham pecado livremente, mas foram vencidas e subjugadas pela raça das trevas, que eles chamam natureza do mal, contra a qual elas desceram para combater, não voluntariamente, mas por mandado de seu pai, sustentam, digo, que essas almas são eternamente atormentadas na horrível esfera das trevas. (AGOSTINHO, 2005, cap. 42).

A partir desse ponto, derivam-se duas inferências preliminares fundamentais para a compreensão da cosmologia no pensamento maniqueísta: 1ª. que, segundo o Maniqueísmo, ambos os princípios, tanto o Bem quanto o Mal, existem ontologicamente; 2ª. Segundo essa visão de mundo, o homem é tido como sendo uma junção natural destes dois princípios, é intrinsecamente, naturalmente tanto bom quanto mal. Daí se segue que, esta concepção ontológica e cosmológica maniqueísta não confere a Deus o estatuto de Ser Supremo, Criador de todas as coisas e acima do qual não existe nada de maior, conforme o cristianismo professa[73]. No entanto, a constituição do homem, tal como a compreende o Maniqueísmo, concebe-o destituído de liberdade e vontade, uma vez que todas as suas ações nada mais são do que o resultado de uma inclinação natural, ora para o bem ora para o mal (Coutinho, 2010, p. 125). E, portanto, na ausência de liberdade humana, não há também responsabilidade moral por parte dos indivíduos racionais em relação à realização de seus atos, sejam estes moralmente corretos ou não. Pois tal direito, reflete diretamente o estatuto ontológico do critério de moralidade, pois a responsabilidade moral dos sujeitos está intrinsecamente ligada à capacidade de escolher livremente entre o certo e o errado.

Nesse sentido, de acordo com a cosmologia cristã, podemos observar que, são demasiadamente problemáticas as explicações maniqueístas referentes à origem do bem e do mal, ao homem e à vontade humana. Agostinho percebeu quão inconsistentes eram as interpretações científicas e a cosmogonia maniqueístas com as quais teve contato. Isso ficou particularmente evidente durante o encontro com Fausto, considerado um dos grandes sábios da seita. Agostinho descobriu que o conhecimento de Fausto se restringia à gramática, à leitura de Cícero e a alguns tratados de Sêneca.

Diante dessa revelação, Agostinho hesitou em continuar na seita. Ele chegou a julgar que o ceticismo dos filósofos da Nova Academia, quanto à possibilidade de conhecimento verdadeiro, parecia-lhe mais sensato do que as vãs divagações dos maniqueus. (AGOSTINHO, 2006, v. 6 e 10. Sobre a posterior refutação de Agostinho aos filósofos acadêmicos, cf. idem, 2008). Após ter considerado como errôneo o princípio do bem e do mal e os conceitos de Deus difundidos pelo Maniqueísmo, escreve Agostinho em suas Confissões:

Ignorava que Deus é espírito e não tem membros dotados de comprimento e de largura, nem é matéria porque a matéria é menor na sua parte do que no seu todo. Ainda que a matéria fosse infinita, seria menor em alguma das suas partes, limitada por um certo espaço, do que na sua infinitude! Nem se concentra toda inteira em qualquer parte, como o espírito, como Deus.[74]

Por esse motivo, para o doutor da graça, a respeito de Deus e da origem do mal, os maniqueus alimentavam uma postura fraca e vazia em relação à esta dificuldade de conceber a substância divina, pela qual era impossível, para eles, pensar a totalidade das coisas senão através dessa constante oposição entre o bem e o mal (Mendes, 2020, p.14). Agostinho não aceitava que sua condição de criatura tivesse origem no mal, pois a beleza que sustenta a perfeição do universo e que, ao mesmo tempo, incorpora no homem o ápice do maior grau de perfeição sobre todas as criaturas não poderia surgir de algo imperfeito e corruptível. A prova da existência do mal leva nosso autor ao absurdo de compreender o problema da criação.

Por outro lado, continuava a me perguntar: “Mas quem me criou?” Não foi o meu Deus, que não somente é bom, mas é Ele a própria bondade? Como explicar que a minha vontade tende para o mal e não para o bem? Será isso, talvez, uma punição justa? Quem plantou em mim esses germes de sofrimento e os alimentou, uma vez que sou criatura do meu Deus, que é cheio de amor? Se foi o diabo, de onde vem ele? Se também ele se tornou diabo por sua própria vontade perversa, ele, que era um anjo bom inteiramente criado por um Deus de bondade, de onde lhe veio essa vontade má que o tornou diabo? E eu ficava novamente deprimido diante de tais reflexões, e sentia-me sufocado, de modo algum arrastado àquele inferno do erro, […], preferindo crer que estás sujeito ao mal a considerar o homem capaz de cometê-lo (AGOSTINHO, 1984, p.163).

Esse contraste aparentemente contraditório na mente humana levou Agostinho a investigar a existência do mal e o princípio que leva os seres humanos a cometerem tais atos. Além disso, ele se dedicou a explorar a natureza divina, o Sumo Bem, que é todo perfeito e harmonioso, bem como a compreensão sobre o problema da criação.

4.4 O Sumo Bem, o livre-arbítrio e a Origem do Mal, Segundo Santo Agostinho

Ora, Deus não está encerrado no tempo e no espaço, não pode ser compreendido enquanto forma corpórea. É Ele o Sumo Bem, eterno e imutável — pois de nada carece — do qual procede toda natureza material ou espiritual. Assim, toda natureza criada é um bem (I Tm 4,4), mas não como Deus o é, justamente porque, ela sendo criada, sua essência é distinta da essência do Criador.[75] Logo, estas realidades não são imutáveis e incorruptíveis como Deus, mas d’Ele recebem seu ser por participação; o que se explica pelo fato de Deus as ter tirado ex nihilo[76] porque:

Com efeito, toda e qualquer mudança faz não ser ao que era; portanto, Ele [Deus] é verdadeiramente o que é imutável, e as demais coisas, que por Ele foram criadas, d’Ele receberam o ser segundo o seu modo particular (AGOSTINHO, 2005, cap. 19, também, os caps. 25 e 26).

Com efeito, a participação da criatura em Deus a adorna de certa beleza e perfeição, de “bondade”. A “bondade” ou a beleza das criaturas é proveniente do modo [modus], da espécie [species] e da ordem [ordo] nelas infundidas por Deus.[77] Desta forma, uma natureza é tanto melhor quanto maior forem estas três perfeições que a compõem, o que significa dizer que o conceito de natureza, em Agostinho, está intrinsecamente relacionado à proporção destas perfeições presentes nos seres ou naturezas e que, com efeito, tornam-nas bens, conforme explicita em A Natureza do Bem:

Onde se encontrarem estas três coisas em grau superior, aí haverá bens superiores, onde estas três coisas se encontrarem em grau inferior, inferiores serão aí também os bens; onde elas faltarem, aí não haverá bem algum. Igualmente, onde estas três coisas forem grandes, grandes serão as naturezas; onde forem pequenas, pequenas serão as naturezas; onde absolutamente não existirem, tampouco existirá natureza alguma. Logo, toda e qualquer natureza é boa. (AGOSTINHO, 2005, cap. 3).

Sendo a natureza proporcional ao bem, isto é, à presença, nela, do modo, da espécie e da ordem, a ausência ou corrupção destes consiste no puro nada, no não-ser; donde se infere que toda natureza é boa por sua própria definição. Não obstante, dada à existência de diferentes naturezas (grandes e pequenas, superiores e inferiores), uma vez que são tanto mais perfeitas quanto mais preservam aquilo que as tornam boas e que isto implica que os seres assim criados estão dispostos hierarquicamente conforme seu grau de “bondade” ou perfeição, perfazendo a “ordem no universo”.

Com efeito, sendo todas as coisas criadas boas, cada uma conforme seu modo, espécie e ordem, de onde, pois, vem o mal? Haveria um lugar para o mal nesta “ordem divina” do mundo? A essa questão responde Agostinho que:

[…] o mal não é senão a corrupção ou do modo, ou da espécie, ou da ordem naturais. A natureza má é, portanto, a que está corrompida, porque a que não está corrompida é boa. Porém, ainda quando corrompida, a natureza, não deixa de ser boa; quando corrompida, é má. (AGOSTINHO, 2005, cap. 4).

4.5 Agostinho e o erro sobre o bem no pensamento maniqueísta

Agostinho após a ruptura com a doutrina maniqueísta, como foi demonstrado, por meio do seu contato com o pensamento neoplatônico e os sermões do bispo Ambrósio, não conseguirá mais aceitar a dualidade característica dos maniqueus, que atribuem um princípio duplo ao cosmos, a saber, o bem e o mal. Opondo-se a isso, na doutrina agostiniana o mal é identificado como uma privação ou defecção do bem, das perfeições constitutivas de toda e qualquer natureza, ele é, simplesmente, uma ausência de ser, como dissemos em tópicos anteriores. Em oposição à dualidade maniquéia, Agostinho instaura o Bem como único princípio existente — Deus — e o mal como sua simples negação. Em outras palavras, o mal, na concepção agostiniana, não tem existência ontológica, não é, portanto, um princípio de força antagonicamente equiparada ao bem, como supunham os maniqueus. Não obstante, conforme analisa Étienne Gilson:

Em consequência dessa doutrina, não basta admitir que os maniqueus erraram ao considerar o mal como um ser, visto que é uma pura ausência de ser; é preciso ir mais longe e dizer que, sendo nada por definição, o mal sequer pode ser concebido fora de um bem. Para que haja um mal, é necessário que haja privação; portanto, é necessário que haja uma coisa privada. Ora, enquanto tal, essa coisa é boa e somente enquanto privada é má. O que não é não tem defeitos. Assim, cada vez que falamos do mal, supomos implicitamente a presença de um bem que, não sendo tudo que deveria ser, é, por isso, mau. O mal não é somente uma privação, é uma privação que reside num bem como em seu sujeito. (GILSON, 2006, p. 273–4).

Quando se diz que o mal é privação de ser ou, simplesmente, um nada, entende-se que não se trata do nada anterior à criação. Pois, este consiste na pura inexistência de todas as coisas criadas, ao passo que aquele é o “não mais existir” de uma coisa ou sua corrupção total. Com efeito, o nada anterior à criação não é um mal, é tão somente a ausência de todas as coisas porque estas ainda não são, em outras palavras, aquele nada é um algo que ainda está por vir. O mal, contudo, é a privação, a corrupção do que é, isto é, da natureza das coisas, assim como se diz que o “imperfeito” é simplesmente o que não é “perfeito”, a que somente se pode referir em relação a este, por isso, é uma oposição ao que é, ao ser.

Todas as coisas criadas e, especialmente, a natureza humana, permanecem boas, ainda que corrompidas[78], desde que nelas ainda se conservem o modo, a espécie e a ordem. Disto resulta que o ciclo de geração e corrupção a que estão sujeitas as criaturas não é um mal, porque assim como é da essência de Deus ser necessário, eterno, imutável, é da natureza da criação ser contingente, temporal, mutável. Suscetíveis à temporalidade, foram ordenadas para que umas sucedam as outras, e nisto consiste a beleza mesma do universo. (AGOSTINHO, 2005, cap. 8), revelando a total dependência e subordinação das coisas terrenas às celestiais que lhes são superiores. Ora, conforme dissemos anteriormente, Deus dispôs todas as coisas segundo certa “ordem” ou hierarquia de perfeições, donde as inferiores se subordinam às mais excelentes.

Sob a ótica desta disposição ordenada dos seres, da qual, como vimos, está excluído o mal, temos que o homem é mais excelente ou superior aos demais animais, e estes aos vegetais, e os últimos aos minerais. Sendo todas estas naturezas boas, umas são melhores do que outras, de modo que:

Pode suceder que uma natureza ordenada mais excelentemente quanto ao modo e à espécie naturais, embora corrompida, permaneça, porém, superior a uma natureza incorrupta, mas de ordem inferior quanto ao modo e à espécie. E assim sucede que, em razão do seu aspecto, o ouro corrompido é mais apreciado pelo homem que a prata incorrupta, e é mais apreciada a prata corrompida que o chumbo incorrupto. (AGOSTINHO, 2005, cap. 5).

É em função desta hierarquia de bens que se deve compreender a problemática do mal na visão antimaniquéia do Bispo de Hipona. Por ‘mal’, entende Agostinho, a perversão voluntária da ordem na qual estão dispostas as criaturas quando o homem faz uso dos bens temporais como bens em si mesmos amando-os desordenadamente (cupiditas) e não como simples meios os quais devem ser amados e perseguidos somente na medida em que podem conduzir o homem a Deus, sua Verdadeira Felicidade; é uma inversão de valores, em que se substituem os fins pelos meios e os meios pelos fins. Com efeito, o problema do mal reside na medida do amor com que o homem se dirige às coisas criadas e a si mesmo, está na proporção com que os ama. (COSTA, 2009). Disto decorre, segundo Agostinho, que o próprio corpo é um bem; o mal é a forma errônea com que dos bens pode se utilizar o homem quando se deixa dominar pelas paixões.

A beleza do corpo, bem criado por Deus, mas temporal, ínfimo e carnal, é mal amado, quando o amor a ele se antepõe ao devido a Deus, bem eterno, interno e sempiterno. Entretanto, assim como o avaro, abandonando a justiça, ama o ouro, o pecado não é do ouro, mas do homem. E assim sucede a toda criatura, pois, sendo boa, pode ser amada bem ou mal. Amada bem, quando observada a ordem; mal quando pervertida.[79]

A alma humana, porque espiritual, é mais excelente que o corpo, mesmo que, por meio dela, o homem se corrompa pelo abuso do seu livre-arbítrio, conforme argumenta Agostinho:

Igualmente, tratando-se das naturezas superiores e espirituais, é mais excelente o espírito racional corrompido pela vontade má do que o ente irracional incorrupto; e qualquer espírito, ainda que esteja corrompido, é superior a qualquer corpo, ainda que este esteja incorrupto. Com efeito, toda e qualquer natureza que, em razão da sua superioridade sobre o corpo, é para ele princípio de vida, será sempre superior a uma natureza que não tem vida por si mesma. Por mais corrompido que se encontre um espírito vital criado, ele sempre poderá vivificar o corpo (AGOSTINHO, 2005, cap. 5).

4.6 O homem é o autor do mal

O pensador Brachtendorf, comentando sobre a origem do mal nas confissões de Agostinho, nos diz: “…o mal se enraíza num alçar-se arrogante do homem, com o objetivo de ser como Deus. A verdade é que o homem mau não deseja mais ser orientado por Deus como seu sumo bem” (2020, p. 150), mas sim, desejam ser guiados por si próprios. Sendo assim, a raiz do mal reside na intenção dos homens em serem como deuses. O homem deseja se elevar à posição de ser como Deus, conhecedor do bem e do mal, ser a ordem e o fundamento, mas, factualmente, por esse motivo, ele assim desce ao nível do corpóreo. Agostinho afirma que através desses atos o homem não perde a sua natureza, mas, quando se esforça por ser igual a Deus, perde não apenas o conhecimento sobre Deus, mas também o conhecimento sobre sua própria singularidade.

Mas como eu, na minha soberba, me rebelei contra vós e investi contra o Senhor, confiando “no escudo da minha dura cerviz”, até mesmo estas ínfimas criaturas se ergueram sobre mim e me oprimiam, sem nunca ter sossego nem alívio. Enquanto olhava ao redor, elas mesmas se ofereciam, de toda parte, em tropel e em massa. Mas voltava a refletir e logo as imagens dos corpos se me opunham, como que a dizerem: “Para onde vais, indigno e impuro” E com as minhas chagas cresciam elas em ousadia, porque “humilhaste o soberbo como a homem ferido”. Com a presunção, separava-me de Vós. A minha face, bastante inchada, tampava-me os olhos (7, 11).[80]

Em toda história da filosofia ocidental, é possível caracterizar Agostinho como um dos primeiros a sistematizar uma explicação para o problema do mal. Especialmente, a partir de uma perspectiva cristã. O hiponense fundamenta e organiza os elementos essenciais do cristianismo para a resolução dessa querela bastante antiga. É sabido que, antes dele, outros pensadores pagãos e até mesmo cristãos tentaram oferecer respostas à problemática do mal; no entanto, a construção agostiniana se destaca entre todas elas, afirmamos que ela é mais coerente e sistemática em sua abordagem por utilizar-se do contributo filosófico e teológico.

Bem, já foi objeto de discussões passadas o problema da criação, a saber, que tudo o que foi criado por Deus é bom, seja espiritual ou material. Ao conferir medida, forma e ordem, Deus concede um bem às criaturas e faz com que elas participem do seu ser. Agostinho, ao estabelecer a natureza das criaturas a partir dessas perfeições (medida, forma e ordem), que também são reflexos dos atributos divinos, visa negar qualquer possibilidade de substância ao mal. Portanto, fica demonstrado nessa concepção agostiniana, a ideia que o mal sendo uma corrupção ou oposição ao bem, depende do bem para se manifestar; de outra forma, seria impossível sua existência ou manifestação. Por isso, Gilson (2007) chega a afirmar que “o mal não pode existir fora do bem”.

Agostinho reconhece também essa afirmação de que a creatio ex nihilo possibilitaria o surgimento do mal, pois os seres que vêm à existência a partir do nada constituem a contingência, permitindo sua possível corrupção. Diante disso, uma objeção pode ser levantada: por que trazer à existência algo que possibilitaria a presença do mal?[81] De acordo com o medievalista Gilson, essa questão só pode ser solucionada estabelecendo uma distinção entre “o mal natural e o mal moral”.

O ser humano foi criado por Deus como um ser livre, capaz de agir corretamente ou, alternativamente, em desacordo com a vontade do Criador. Portanto, o livre-arbítrio, concedido ao homem, possibilita que este escolha seu próprio destino; pode se submeter à lei divina, contemplando e desfrutando do bem (Deus) imutável, ou afastar-se dessa ordem, criando a desordem, que é o mal, e o caminho da infelicidade. Insatisfeito com seu próprio ser, o homem cede à tentação e ao desejo de se tornar igual ao Criador, trazendo sobre si a desgraça e o mal ao mundo (SILVA, 2020, p. 122).

Por ser considerado um agente capaz de realizar escolhas, o ser humano se torna o autor do mal moral. Quando a vontade abandona o Bem superior e se volta para as coisas inferiores, escolhe um bem desordenado, tornando-se, assim, um pecador. O mal moral provém da má vontade do homem. Na obra O Livre Arbítrio, lemos o seguinte sobre esse assunto:

Todos os pecados encontram-se nessa única categoria, a saber: cada um, ao pecar, afasta-se das coisas divinas e realmente duráveis para se apegar às coisas mutáveis e incertas, ainda que estas se encontrem perfeitamente dispostas, cada uma em sua ordem, e realizem a beleza que lhes corresponde. Contudo, é próprio de uma alma pervertida e desordenada escravizar-se a elas. A razão é que, por ordem e direito divinos, foi a alma posta à frente das coisas inferiores, para as conduzir conforme o seu beneplácito.” (Agostinho, 1995, p. 68)

A vontade humana não é má; ela é um bem, embora falível. Sua natureza falível possibilita o surgimento do mal moral. Este é considerado o autêntico mal, pois não é acidental ou fortuito, mas querido pela vontade humana. Como declara Agostinho, o mal resulta não de uma causa eficiente, mas de uma causa deficiente.

Ninguém busque, pois, a causa eficiente da má vontade. Tal causa não é eficiente, mas deficiente, porque a má vontade não é “afecção”, mas “defecção”. Declinar do que é em sumo grau ao que é menos é começar a ter má vontade. Empenhar-se, portanto, em buscar as causas de tais defeitos, não sendo eficientes, mas, como já dissemos, deficientes, é igual a pretender ver as trevas ou ouvir o silêncio.” (AGOSTINHO, 2012, p. 86)

Para o bispo africano, não há outra explicação para a origem do mal que não seja a livre vontade do ser humano. Mediante as Escrituras cristãs e as análises filosóficas, Agostinho esclarece que não existe uma substância má dentro de um universo criado por um Deus bom. De forma análoga, os seres têm certa participação na bondade divina e, por terem sido criados a partir do nada, possuem uma condição de ser e de não ser. Por ter recebido um dom que o capacita a agir livremente, o homem torna-se responsável por suas ações, pois a liberdade que lhe foi outorgada não implica necessidade de pecar nem tampouco de cair, mas sim de agir corretamente.

4.6.1 O homem e o livre-arbítrio da vontade humana

Pelo livre-arbítrio que recebera de Deus, o homem faz mau uso dos bens temporais. (AGOSTINHO, 2005, cap. 36), inclinando-se mais fortemente aos bens aos quais não lhe convêm apegar-se demasiadamente. Pois, havendo no universo uma gradação de seres ou perfeições, ao homem convém preferir os bens superiores e utilizar-se dos inferiores como meios para se alcançar os primeiros. Quando o homem faz o caminho inverso preferindo os bens inferiores aos superiores perverte a ordem estabelecida por Deus no universo: eis o mal ou o pecado. É desta forma que se deve compreender o pecado original; porque má não era a árvore do fruto proibido, mas a desobediência do homem ao Criador, superior a todas as coisas. (AGOSTINHO, 2005, caps. 34 e 35), em vez de estar submetido a Ele, posto que do Criador depende a criatura.

Eis porque a árvore de que proibira comer Ele a chamou de “árvore do da ciência do bem e do mal” (Gen, 11, 9), para que, quando o homem o fizesse contra a sua proibição, experimentasse a pena do pecado e, assim, conhecesse a diferença que há entre o bem da obediência e o mal da desobediência. (AGOSTINHO, 2005, cap. 35).

Este preceito divino fora dado para que se assegurasse a obediência do homem a Deus e o respeito à ordem. É, pois, na desobediência mesma deste que consiste o mal ou o pecado por excelência, isto é, na intenção já presente no coração do homem de não querer estar submetido a Deus, mas apenas a si mesmo, sendo o ato propriamente dito apenas sua exteriorização. A origem do pecado, portanto, reside no orgulho humano, no desejo de insubordinação a Deus, pois o homem não teria cedido facilmente à tentação se já não estivesse tomado por um desejo de igualdade junto ao Criador. Não obstante, o orgulho não é inerente ao homem, não faz parte de sua natureza tal como Deus a criou, não sendo senão a transgressão voluntária da ordem, demarcada pelo livre rompimento do homem com o amor que naturalmente o aderia a Deus, seu bem. Em sendo a criação um dom de Deus, não poderia haver determinismo, mas liberdade. Em decorrência disto, embora o homem tenha sido criado incorruptível e imortal, fora-lhe entregue o poder de escolher entre a vida (em Deus) e a morte (pelo pecado).

Entretanto, o homem foi dotado de livre-arbítrio para que viva retamente e, mesmo que por meio dele possa fazer o mal, é boa a natureza humana, tal como o próprio livre-arbítrio que, em sendo dado por Deus ao homem é um bem, mas dado à possibilidade de fazê-lo corromper-se, figura entre os bens médios, posto que se encontra entre o Bem supremo [Deus] e os bens mutáveis ou terrenos. Segundo Costa:

[…] o livre é condição necessária para o homem fazer o bem ou o mal, mas o pecado não é condição para a existência do livre-arbítrio no homem, pois este pode, se quiser, não pecar, a exemplo dos anjos bons, que têm livre-arbítrio e nem por isso pecam. (COSTA, 2007, p. 95).

Em suma, na filosofia agostiniana, o homem é livre e precisamente nisto reside a possibilidade de pecar, embora não seja o pecado elemento constituinte da essência mesma do livre-arbítrio. Assim, Deus não é o autor do mal — nem poderia sê-lo — porque, como vimos, d’Ele somente procedem toda natureza e os atributos que a conservam, isto é, todas as coisas criadas de cujos atributos o mal é a corrupção ou privação. O autor do mal é o próprio homem que, por vontade livre, corrompe a si mesmo, peca. Não obstante, isto não significa que a vontade humana seja essencialmente má, nem tampouco os objetos do seu desejo, pois o mal não é a inclinação a algo mau em vez de algo bom, mas a renúncia de um bem superior a outro inferior, porque toda a criação é naturalmente boa.Com efeito, o mal não está nos objetos do querer humano, mas no mau uso que se faz deles mediante a vontade. Sendo causa “deficiente” e não “eficiente” — porque defecção do bem — o mal figura apenas no plano das ações humanas, isto é, da moral. Afinal, toda a refutação de Agostinho às teses maniqueístas se alicerça na constatação da inexistência ontológica do mal.

Contudo, o questionamento mais comum acerca da problemática relação entre o mal moral e o livre arbítrio é o de que sendo Deus livre e não pecador, por que não teria Ele criado o homem livre e, igualmente, em condição não pecaminosa? (JOLIVET, 1932, p. 155.). É esta ideia que permeia os questionamentos de Evódio quando em discussão com Agostinho no diálogo O Livre-arbítrio a ele se dirige com estas palavras:

Mas quanto a esse mesmo livre-arbítrio, o qual estamos convencidos de ter o poder de nos levar ao pecado, pergunto-me se Aquele que nos criou fez bem de no-lo ter dado. Na verdade, parece que não pecaríamos se estivéssemos privados dele, e é para se temer que, nesse caso, Deus mesmo venha a ser considerado o autor de nossas más ações. (AGOSTINHO, 1995, I, 16, 35b).

A esta questão, posta por seu interlocutor, Evódio, Agostinho responde somente no Livro II da obra, quando desenvolve o argumento de que o livre-arbítrio é um bem em si mesmo e que o abuso de um bem não implica que este se torne um mal (AGOSTINHO, 1995, II,18,47). Ora, se o homem não tivesse livre-arbítrio não seria merecedor de castigos ou de prêmios, já que não haveria responsabilidade moral em seus atos. Logo, se é pelo livre-arbítrio, em tanto quanto este é auxiliado pela graça, que o homem pode empreender seu projeto de busca da Verdadeira Felicidade, Deus, é também o livre-arbítrio o instrumento pelo qual o homem peca, distanciando-se do Criador.[82] E, deste modo, uma culpa voluntária implica em uma pena não voluntária para que, assim, o homem possa discernir entre o “bem da obediência” e o “mal da desobediência”.

Tal é o dom concedido por Deus às criaturas mais excelentes, a saber, os espíritos racionais, que, se o quiserem, podem subtrair-se à corrupção; […] e involuntariamente padecerão a corrupção por alguma pena. […] Os pecadores, que pelo pecado saíram da ordem, tornam à ordem mediante o castigo. Como esta ordem não corresponde à sua natureza, chamamo-la pena; mas por ser o que cabe à culpa, dizemo-la justiça. (AGOSTINHO, 2005, cap. 7).

O castigo infligido por Deus, devidamente, ao homem pecador faz parte de sua própria justiça (AGOSTINHO, 1995, I, 1,1 e nota complementar nº. 2)[83]; é a forma pela qual o pecador é reintegrado à ordem a qual perverteu. Além disso, para que possa julgar o homem com justiça, conferindo-lhe castigos ou penas, conforme suas ações — ou intenções — Deus também permite o mal aos homens bons para que se fortaleçam na fé e sejam merecedores da Felicidade Eterna que buscam. Assim,

[…] não é injusto que se dê aos perversos o poder de causar dano uns aos outros, para que se prove a paciência dos bons e seja castigada a iniquidade dos maus. E assim, pelo poder concedido ao diabo, Jó foi provado para que se mostrasse justo (Jó,I,II), e Pedro foi tentado para que não se tornasse presunçoso [Mat, XXVI, 31–35,69–75], e Paulo padeceu o aguilhão da carne para que não se ensorbecesse [2Cor, XII,7], e Judas foi condenado a enforcar-se [Mat, XXVII,5]. (AGOSTINHO, 2005, cap. 32).

CONCLUSÃO

Santo Agostinho de Hipona representou uma verdadeira busca pela reconciliação entre a condição humana decaída, marcada pelo pecado original, aquele estado adâmico e o Verbo Divino e Eterno. O hiponense, em sua vida, foi influenciado por duas correntes filosóficas muito distintas — o maniqueísmo e o neoplatonismo — essas doutrinas enfrentam tensões conceituais que permeiam a reflexão teológica do mestre em várias de suas obras. O maniqueísmo o conduziu a uma visão panteísta e a um materialismo radical, enquanto o neoplatonismo sugere uma noção de emanação que contrasta com o criacionismo bíblico, tese essa abraçada pelos próprios cristãos-neoplatônicos da época[84], através das processões do Uno, tema central no Livro XI das Confissões.

Portanto, opondo-se a tais doutrinas, Agostinho sustenta que Deus criou tudo a partir do nada, ou “ex nihilo”, enfatizando a soberania divina sobre a criação. Para ele, a criação se dá por meio do Logos Divino, e o tempo inicia-se com este ato criativo; assim, o tempo é identificado como uma criatura de Deus. Ao abordar a temática do tempo, Agostinho recorre à noção de eternidade. Ele distingue claramente entre tempo e eternidade: a eternidade no pensamento agostiniano é caracterizada por uma atemporalidade absoluta, onde não há passagem, e tudo se apresenta como um “agora” permanente, desprovido de multiplicidade. Em contrapartida, o tempo é marcado pela transição, mutabilidade e multiplicidade, constituindo um “agora” que se esvai continuamente. Segundo Victor (2019, p. 74) que diz: Essa dualidade implica que a vivência no tempo é frequentemente acompanhada de angústia, uma vez que os seres humanos estão imersos em um fluxo incessante de mudança e incerteza. Assim, Agostinho propõe uma reflexão profunda sobre a natureza do tempo, sua relação com a eternidade e as implicações existenciais de viver em um mundo temporal.

Por fim, durante o estudo e a apresentação reflexiva sobre a problemática do mal em Santo Agostinho, especialmente em suas Confissões, porém abarcando muitas de suas obras que também versam sobre o tema em busca de solução. Um aspecto particular que chamou bastante a nossa atenção foi a enorme dedicação com que esse doutor se debruçou para tentar solucionar essa questão que tanto o angustiava durante sua vida. Destacamos também em vários momentos que a discussão desse tema girou preponderantemente em torno de sua repulsa às teses maniqueístas, depois do seu desligamento com tal seita, especialmente sobre o sistema dualista a respeito da origem do mal defendidos por essa corrente, uma vez que o bispo de Hipona dedicou nove anos de sua vida a essa seita antes de sua conversão.

Do mesmo modo, foi apresentado ao leitor a trajetória da evolução do pensamento de Santo Agostinho sobre tal problema, do período anterior ao posterior à sua conversão, observamos que ele se deparou com o problema do mal, do ponto de vista teórico, quando tinha apenas 19 anos, em decorrência daquela leitura inspiradora do Hortensius de Cicero. Nesse primeiro momento, o mal se apresenta a ele como um paradoxo que o livro de Cícero despertou em seu coração. Em outras palavras, tal problemática se apresentava como uma contradição, a saber, como explicar a tese de Cícero, segundo o qual “todos os homens desejam, por natureza, a felicidade” (Conf. VII, 3, 5), e a realidade dos males praticados pelo homem, incluindo aqueles cometidos pelo próprio Agostinho em sua vida?

Agostinho foi em busca de uma resposta ao referido paradoxo, em um primeiro momento, voltou-se para a sabedoria contida na Bíblia, reflexo da educação que recebeu de sua mãe. No entanto, por consequência do seu estudo de oratória e o enraizamento causado pelas disciplinas superiores, não encontrou ali tal resposta, viu somente a ausência de uma cientificidade nas Sagradas Escrituras, ou a falta de uma explicação racional nos moldes ensinados por Cícero. Explicações filosóficas aos grandes problemas do cosmos e da vida, especialmente o problema do mal, deixou-o decepcionado por não os encontrar naquele livro tão mencionado por sua mãe. Foi justamente nesse contexto que ele ingressou na seita gnóstica dos maniqueus, na qual, paralelamente, ou seja, na mesma época em que leu o Hortensius e, em seguida, a Bíblia, estava dando seus primeiros passos de iniciação. Segundo Costa (2014 p. 232), no maniqueísmo, Agostinho também encontrava as mesmas críticas à falta de racionalidade e coerência nas Sagradas Escrituras, especialmente em relação a três pontos, a saber: 1) as explicações criacionistas do mundo e do homem à imagem e semelhança com Deus, que identificavam um antropomorfismo considerado absurdo; 2) a conduta moral dos patriarcas; e, por fim, 3) a contradição entre o Velho e o Novo Testamentos.

Por sua vez, o maniqueísmo, ao contrário das Sagradas Escrituras, nesse momento da vida de Agostinho, reunia os dois elementos que o doutor tanto buscava em suas reflexões. Em primeiro lugar, o apreço pela sabedoria (gnose), despertado pela leitura do livro de Cícero, uma vez que a sabedoria era concebida nessa seita maniqueísta como uma verdade que se impõe à inteligência, apresentando-se como uma certeza superior à fé, à qual o homem poderia acessar por seus próprios esforços. Em segundo lugar, essa seita se apresentava com o nome de Cristo, se declarando como uma religião cristã, ou melhor, como o verdadeiro cristianismo, caminho de ascensão e salvação. Assim, o maniqueísmo propunha-se como uma religião-ciência capaz de oferecer uma explicação racional do universo e da vida, especialmente em relação ao problema do mal, que era a principal preocupação de Agostinho.

Ali, Agostinho encontrava a visão da bem-aventurança prometida aos que vivessem de acordo com a sabedoria e a idéia, também, de que o conhecimento da verdade equivale ao conhecimento de Deus e de que a felicidade consiste na posse desse conhecimento. Ou seja, Cícero estabelece uma estreita relação entre conhecimento ou sabedoria, filosofia e felicidade. (COSTA, 2002, p. 24–25).

Assim se expressa Agostinho a respeito dos maniqueus, após sua conversão.

Caí assim nas mãos de homens orgulhosamente extravagantes, demasiados carnais e loquazes. Havia na sua boca laços do demônio e um engodo, preparado com a mistura de sílabas do Vosso nome, do de Nosso Senhor Jesus Cristo e do paraclito consolador, Espirito Santo. Jamais esses nomes se retiravam dos lábios, mas eram apenas sons e estrépitos da língua. O seu coração estava vazio de sinceridade. Dizia: “Verdade e mais verdades!” Incessantemente me falavam dela, mas [ela] não existia neles! (Conf. III, cap. 6, p. 73).

Por isso, apesar dessa solução cômoda, nesse primeiro momento, Agostinho nunca se tornou um maniqueu convicto (Gilson, 2020, p. 145); sempre manteve uma postura desconfiada em relação à doutrina. Essa desconfiança aumentou à medida que, a partir da leitura das ciências gregas especialmente da música, geometria e astronomia, ele encontrou diversos pontos de embaraço na doutrina maniqueísta (COSTA, 2014, p 234). Na busca por respostas satisfatórias e não as encontrando nem entre os maniqueístas, ditos possuidores da verdade, nem mesmo junto ao famoso bispo Fausto, um maniqueu. Essa insatisfação levou Agostinho a se afastar, se não definitivamente, ao menos progressivamente, do maniqueísmo. Sem um novo ponto de apoio, o hiponense passou por uma breve fase de ceticismo.

Porém, seria em Milão, aos 30 anos de idade, ao ser contratado como reitor da cátedra oficial dessa cidade, que Agostinho superaria definitivamente o maniqueísmo. Ao entrar em contato com o bispo Ambrósio e com a filosofia neoplatônica, encontrou nesses dois elementos os instrumentos conceituais necessários para recuperar os princípios cristãos que mantinha latentes em seu coração. Esse encontro, que culminaria, pouco tempo depois, em sua conversão ao catolicismo, possibilitou ao santo doutor a construção de sua própria explicação do problema do mal, confrontando a doutrina de Mani, a qual se apresenta como uma refutação contundente àquela seita, por esse motivo, segundo Costa (2014, ibidem) deve receber, justamente, a nomenclatura de “polêmica antimaniqueía” pela amplitude de tal problemática no universo agostiniano.

Por outro lado, pelo contato com as pregações de Ambrósio, Agostinho veio a compreender algo novo, a saber, que o Deus-Uno do cristianismo, Criador de todas as coisas, é de “substância espiritual”, assim como a alma humana. Em contrapartida, o maniqueísmo sustentava que todos os seres, incluindo Deus e a alma, eram substâncias corpóreas, se autodeclarando como uma doutrina materialista. Por consequência disso, Gilson (2012, p. 145) afirma: “Embora já houvesse abandonado o maniqueísmo — o qual, aliás, nunca aderira com plena convicção –, Agostinho não supera ainda o materialismo filosófico próprio dessa seita”, essa emancipação materialista só se concretizar com o auxílio das pregações de Ambrósio. Desse modo, Ambrósio, ao empregar o método alegórico na interpretação bíblica, desmistifica os aspectos considerados absurdos pelos maniqueus, contribuindo assim para o restabelecimento do prestígio da Bíblia e da Igreja católica da época. A influência de Ambrósio foi decisiva para o hiponense, com ele Agostinho iniciou um processo de reencontro com a fé e as Sagradas Escrituras. Contudo, segundo Costa (2014, p. 234) naquilo que se refere à origem do mal, “as reflexões advindas do bispo de Milão não proporcionaram uma solução definitiva; pelo contrário, complexifica ainda mais a questão.” Dado que existe apenas uma única origem ontológica para tudo, Deus, que criou tudo a partir do nada (ex nihilo) e não mais duas forças ontológicas, como afirmavam os maniqueus, surge então a indagação do homem-agostinho: como não atribuir a origem do mal a Deus?

Mas com a descoberta do neoplatonismo, nesse mesmo período, especialmente através das ideias de Plotino que Agostinho deu um passo significativo em sua busca intelectual e particular por tal questão. A concepção ambrosiana de “substância espiritual” foi reforçada com o neoplatonismo, sendo identificada em Plotino com as três hipóstases espirituais. Agostinho chegou a estabelecer uma relação, ao menos inicialmente, entre uma delas a Inteligência ou Nous e o Verbo do Evangelho de São João[85]. Esse conceito foi preciso e auxiliou Agostinho mais uma vez na superação do materialismo maniqueísta, direcionando-o mais firmemente à fé cristã. Adicionalmente, os neoplatônicos propiciaram a Agostinho a conscientização de dois pontos fundamentais para a solução do problema do mal: 1) a noção de participação e 2) o conceito de não-ser como equivalente ao nada, o qual ele utilizaria posteriormente, nos seus escritos posteriores à conversão, para refutar a concepção maniqueísta e materialista do mal como substância ou natureza. Daí a afirmação de Jolivet:

Plotino teve a imensa vantagem de colocá-lo no caminho das soluções que ele buscava obscuramente e, antes de tudo, de arrancá-lo de seu materialismo. Este foi o grande benefício que tirou da leitura das obras platônicas e isto basta para justificar toda a importância que Agostinho sempre reconheceu destas obras, para seu progresso à fé, já que o materialismo era a raiz de todos os seus erros. Entretanto, Agostinho serviu-se da doutrina plotiniana como de uma espécie de trampolim para saltar mais longe e mais alto […]. Plotino representava a seus olhos só um meio, de nenhum modo um fim. (1932, p. 99–100).

Desse modo, é na fé católica que Agostinho continua sua busca por uma explicação para o problema do mal. Munido dos dados da fé e da explicação alegórica fornecida por Ambrósio e dos instrumentos conceituais do neoplatonismo, que ele converteria em conceitos cristãos, Agostinho desenvolveu o que mais tarde viria a chamar de “nossa filosofia cristã”. A solução que ele propôs, embora não constitua uma explicação definitiva para o problema do mal, revelou-se de grande pertinência e profundidade, exercendo um fascínio que perdura até os dias atuais nas reflexões cristãs sobre a problemática do mal.

Logo após sua conversão, Agostinho dedicou cerca de dez anos (de 386 a 405) ao combate da doutrina maniqueísta, que representava uma resposta ontológico-cosmológica-materialista para o mal. Segundo ele, era necessário refutar a ideia maniqueísta de que a origem do mal reside no universo físico, na criação divina, especificamente na matéria, entendida como um princípio originante de si mesma, em oposição à Luz do Bem. Essa tese confrontava diretamente a concepção cristã do Deus-Uno-Criador, boníssimo, que criou todas as coisas como naturalmente boas, incluindo a matéria.

Agostinho partindo do princípio bíblico da criação ex nihilo e da noção plotiniana de participação, encontrou meios para refutar o dualismo maniqueísta, demonstrando que todos os seres do universo, incluindo a matéria, provêm de um único princípio — Deus — não por emanação, mas por criação, e não por necessidade, mas por um ato livre de amor, deste Ser Criador.

Deus fez as coisas do nada — não da sua própria substância, mas por seu poder; nem de alguma matéria pertencente a outrem ou anterior às coisas produzidas. As coisas foram feitas de matéria criada por Deus (Philoteus, Gilson, 2012, p. 175).

Com isso, ele contestou as objeções que os maniqueus levantavam, as quais haviam sido um obstáculo em sua compreensão da Bíblia durante sua juventude, após a leitura do Hortensius. Argumentou que, no universo criado por Deus, não há espaço para desordem natural ou acaso; tudo obedece à ordem estabelecida por aquele que criou e mantém o cosmos sob seu governo. Até mesmo os eventos particulares ou isolados, frequentemente considerados disformes ou maus pelos homens, são vistos por Agostinho, à luz dos conceitos de totalidade, unidade e harmonia, como resultantes da visão deturpada do ser humano. Devido à ofuscação de sua mente provocada pelo pecado, o homem não consegue perceber o todo, julgando a parte em função do todo e, assim, a concebe como má. No entanto, na totalidade, o universo é perfeitamente harmonioso, tanto nas partes quanto no todo. Agostinho observa que esses males, ou aquilo que os homens classificam como males, não apenas não são, propriamente, males, mas se integram ou até contribuem para a harmonia do universo. Deus, por sua vez, não só permite tais ocorrências, mas também extrai delas bons frutos para a governança do mundo.

Para Agostinho, no universo criado e governado por Deus, não há espaço para o mal físico, e este não pode ser definido como uma substância concreta, uma vez que toda a natureza é considerada um bem[86]. Utilizando e radicalizando o conceito neoplatônico de “não-ser”, Agostinho conclui que, embora o mal ocorra nos seres criados — que são apenas participações da suma bondade de Deus e, portanto, estão sujeitos à mutação e a corrupção — ele (o mal) não é uma característica intrínseca do ser, nem faz parte de sua essência, que é sempre boa. O mal, como o oposto da natureza, caracteriza-se pela ausência do que deveria ser, ou pelo que o ser não é. Em outras palavras, o mal é uma corrupção no ser, fruto de uma vontade oposta ao bem e, ao mesmo tempo, fruto de uma escolha livre no homem de escolher algo contrário à vontade do Criador. Ele representa uma corrupção que tende a levar tudo em direção ao não-ser. Assim, Agostinho argumenta que o mal é, em essência, corrupção e, como tal, não possui consistência ontológica; ele é simplesmente “não-ser” ou “nada”.[87]

Assim, destacamos que o último nível da resposta agostiniana ao problema do mal é encontrado na obra De Libero Arbitrio ou Sobre o Livre Arbitrio, essa obra foi iniciada logo após o retiro de Cassicíaco e concluída posteriormente na África. É justamente no final do Livro I, que Agostinho antecipa a conclusão geral que dará ao termino da obra, afirmando que a origem do mal reside no livre-arbítrio da vontade humana. O conceito-chave para compreender esse momento é a palavra “pecado”, que carrega uma conotação moral, vinculando-se à ideia de culpa (malum culpae) e responsabilidade. O pecado é apresentado como o resultado do abuso da livre vontade, abuso esse que é reflexo da corrupção causado no homem com o pecado original. Agostinho conclui que a única causa do mal é o pecado, resultante da má vontade do homem. O único mal que podemos considerar propriamente como tal é o mal ético-moral, uma vez que o mal metafísico não existe, é um acidente ou corrupção no homem, sendo, na verdade, o não-ser. O mal físico, por sua vez, é visto como um erro de perspectiva estética, perfeitamente integrado na totalidade do universo. Segundo Costa (2014, p. 238), nesse contexto, Agostinho alcança o último estágio de seu pensamento sobre o problema do mal, transicionando de uma explicação ontológico-estético-filosófico-religiosa para uma abordagem ontológico-ético-moral-filosófico-religiosa. Sua visão evolui de uma perspectiva centrada puramente em Deus, enquanto Criador do universo, para uma visão centrada no homem que é sua criatura.

Essa mudança é, conforme argumentamos, a originalidade do pensamento agostiniano em relação aos filósofos que o precederam sobre tal problemática. Vários autores ressaltam essa originalidade, incluindo Alvarez-Turienzo, que afirma:

Nunca o saber encontrou o caminho para o adequado tratamento do negativo no Ser; em todo caso, o antigo não concebia esse lado negativo como mal, e muito menos como pecado, especificamente ético. Concebeu-o melhor como um princípio autônomo, um sucesso fatal; e, quando se o surpreendia na conduta, se pensava ao modo de uma contaminação física […]. O mal era algo exterior, necessário, irredutível e físico.[88]

Agostinho, para explicar como o mal se manifesta nos seres criados, especialmente no livre-arbítrio humano, estabelece as seguintes premissas: a) o homem é o único animal que possui uma alma dotada da faculdade da razão; b) essa capacidade o torna superior aos demais animais; c) como resultado, ele pode conhecer; d) através da iluminação divina, percebe a ordem justa estabelecida por Deus, segundo a qual não devemos priorizar as coisas inferiores em detrimento das superiores; e) ao conhecer essa ordem, o homem pode escolher entre segui-la, aproximando-se do Criador, que é a fonte da verdadeira felicidade, ou afastar-se dela, criando a desordem, que é o mal e conduz à infelicidade. Agostinho utiliza o conceito neoplatônico de mal como privação ou ausência do bem para defini-lo como o distanciamento de Deus. O homem, por sua livre vontade, escolhe direcionar seu amor a coisas inferiores, incluindo a si mesmo, o que gera a soberba, em detrimento do amor devido a Deus.

No entanto, essa posição não era pacífica. Agostinho enfrentou implicações internas a essa ideia, como as levantadas por Evódio, que questionava se o livre-arbítrio é um bem ou um mal, considerando que é por meio dele que podemos pecar. Evódio indagava se não seria melhor que Deus nos tivesse criado sem o livre-arbítrio, ou unicamente para não pecar. Além disso, ele levantava a suspeita de uma contradição entre o livre-arbítrio humano e a presciência/providência divina, questionando se o livre-arbítrio é realmente livre. Agostinho refutou essas questões nos últimos tópicos de sua obra. Em relação à primeira, conclui que o livre-arbítrio é um bem-médio, mas ainda assim um bem, pelo que devemos agradecer a Deus. Quanto à segunda questão, ele argumenta que não há contradição entre a livre vontade humana e a providência divina, pois o homem não é programado de forma determinística, nem para o bem, nem para o mal.

Portanto, por fim, ao apresentar o pecado original como responsável pela perda do primitivo “estado de inocência ou de bondade”[89] no primeiro homem, Agostinho não apenas encerrava sua polêmica com os maniqueus, mas também abordava um ponto que geraria uma nova controvérsia — desta vez com os pelagianos[90], um grupo herético dentro da Igreja. Os pelagianos questionaram profundamente o conceito de pecado original e suas consequências, desafiando as ideias de Agostinho sobre a natureza humana e a salvação. Assim, iniciava-se a última e, possivelmente, a mais significativa tarefa a ser enfrentada por Agostinho antes de sua morte. O embate contra os pelagianos e a doutrina da graça e do livre-arbítrio.

NOTAS

[1] SANTO, Agostinho. A natureza do bem. O castigo e o perdão dos pecados. O batismo das crianças. Tradução de Adauri Fiorotti, D. Paulo A. Mascarenhas Roxo, O.Praem; introdução e notas de Heres Drian de O. Freitas. — São Paulo: Paulus, 2019. Coleção Patrística., p. 9.

[2] Agostinho fundamentou sua reflexão filosófico-teológica a partir da iluminação intelectual proporcionada pelos escritos neoplatônicos e pelo auxílio do bispo Ambrósio. Afirmando que o mal é um não-ser, pois este não possui existência própria, sendo nada mais que um acidente, uma corrupção no homem. Ambrósio último desempenhou um papel crucial ao instruir Agostinho sobre as contradições e corrupções doutrinárias resultantes da visão maniqueísta, que dualizavam o mundo entre os princípios do bem e do mal. Através dessa interação, Agostinho foi capaz de superar as limitações do maniqueísmo, desenvolvendo uma compreensão mais profunda da natureza do bem e do mal, que se tornaria central em sua obra teológica e filosófica. Conforme demonstrado por Costa (2014, p. 12), o autor afirma que, no contexto do neoplatonismo cristão, o mal não possui uma forma ou substância; pelo contrário, ele é destituído de substância, sendo uma ausência ou defecção do ser. Nesse sentido, o mal é entendido como não-ser, acidente ou corrupção, uma falta ou distanciamento do bem, sem consistência ontológica. Essa perspectiva preserva a bondade de toda a natureza criada por Deus. Assim, temos uma explicação de ordem ontológico-estético-filosófico-natural que visa responder à questão fundamental: “Quid sit malum?” — o que é o mal? As argumentações e respostas agostinianas serão apresentadas ao decorrer do presente texto.

[3] A abreviatura corresponde ao livro “Sobre o Livre Arbítrio”, de autoria de Santo Agostinho.

[4] Sobre os acontecimentos históricos acerca da vida de Agostinho que antecederam a sua estada em Cartago, conferir nossa obra: COSTA, (1999a, p. 15–43).

[5] É evidente que a palavra “universitário” aqui não possui o mesmo significado que lhe atribuímos hoje. Como afirma Estal (1999, p. 26) no tópico intitulado “Estudos Universitários do Mundo Antigo ainda sem o nome de Universidades”: “A palavra ‘universidade’ emerge com outros nomes já na plena Idade Média, a partir do século XI, recebendo uma consolidação designativa no século XIII. No entanto, já no mundo antigo da civitas romana — em Roma, Atenas, Alexandria, Milão e Cartago — existiam centros de ensino superior, com vocação universal no campo dos saberes, conhecidos pelos nomes de schola, academia e gymnasium.” Para um aprofundamento maior no tema, recomenda-se a leitura da publicação recente de Ullmann (2000), especialmente o capítulo III, intitulado “Pré-Universidades” (p. 81–96).

[6] Neste livro, o velho tribuno, desiludido com suas ambições políticas, volta-se para a filosofia em busca da felicidade na meditação das verdades eternas. “O diálogo compõe um discurso de exortação à filosofia, inspirado no Protréptico de Aristóteles”, onde um dos interlocutores, “o orador Quinto Hortênsio, defende a validade da retórica pura, em contraste com o ideal ciceroniano do orator, aquela arte rica em conteúdos originada pelo exercício da filosofia” (COSTA, 2014, p.15).

[7] Sobre esse tema comenta Everton Toresim, Agostinho “percorreu um longo caminho de 33 anos até chegar a sua conversão ao cristianismo e seu Batismo realizado pelo grande Santo Ambrósio na igreja de Milão. E assim, tendo se tornado cristão, nenhum minuto mais de sua vida será consumido senão na busca por Deus.” Santo. (2019, p.7.). Após a busca e o encontro com a verdade que tanto almejava, Agostinho não perdeu a oportunidade de compartilhá-la com os outros, especialmente depois de se tornar presbítero e bispo. Durante esse período significativo, escreveu várias obras de exortação e de combate contra os inimigos da verdade e do povo cristão, mesmo que muitos desses opositores tenham surgido de dentro do próprio corpo da Igreja, como Pelágio e os donatistas, como veremos posteriormente.

[8] Segundo PELLICCIARI, Angela. História da Igreja: marcas da presença de Cristo no mundo. — Tradução: João Vitor Gonzaga & Veríssimo Anagnostopoulos — 1, ed — Dois irmãos, RS: Editora MBC, 2024.

[9] “Então Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom.” Texto extraído da Bíblia Sagrada. Nova tradução. Brasília-DF. Edições CNBB, 2022, p. 30.

[10] “Com efeito, toda criatura de Deus é boa, e não se deve rejeitar coisa alguma que se usa com ação de graças.” Ibidem, p. 1626.

[11] O maniqueísmo, como comenta Brachtendorf (2020, p. 90), é uma religião dualista que, durante sua vida, se espalhou na Mesopotâmia, no Irã e em partes contíguas do Império Romano. Pelo seu contínuo êxito missionário, Mani pôde ampliar sua esfera de ação no século IV a todo o Império Romano, onde inicialmente foi considerada uma religião estrangeira. É nesse tempo que Agostinho se depara com tal pensamento, mas depois ele se torna uma heresia para os cristãos. Como consequência das perseguições nos séculos V e VI, o maniqueísmo foi quase extinto no Ocidente. No Oriente, ele se originou no Irã, a partir de onde se expandiu até a China pela Rota da Seda. No Império Uigur do século VIII, por sua vez, o maniqueísmo desfrutou da posição de uma religião de Estado. Na China medieval, podem-se comprovar seus vestígios até o século XVI. Os escritos de Mani e dos maniqueus conservaram apenas fragmentos que foram compostos através de uma multiplicidade de línguas do Oriente Médio e da Ásia Central. Eram canônicos os escritos que possuíam os títulos: “Evangelho Vivo”, “Tesouro da Vida”, “O Tratado”, “Livro dos Mistérios”, “Livro dos Gigantes”, “Epístolas” e também “Salmos e Orações”. Muitas informações sobre o sistema maniqueísta e antimaniqueísta, como os compostos por Agostinho ou pelo bispo Nestório Teodoro Bar Koni (século VIII), podem ser encontradas. Para se ter uma maior compreensão desse pensamento, leia a seguinte exposição do sistema de crença de Mani segundo: LIEU, 1992, pp. 1–32. Cf. nessa obra, a relação dos fragmentos conservados é apresentada. Cf., além disso, BOHLIG, 1992, assim como FELDMANN, 1987.

[12] Sempre que Agostinho se refere aos maniqueus, trata-os como uma seita secreta que se reunia às escondidas, e muitos historiadores os classificam de forma semelhante; essa visão é frequentemente corroborada por livros de História das Religiões, enciclopédias e dicionários. Contudo, alguns autores, como Puech (1979, p. 194), observam que “por seu caráter sistemático, é algo mais do que um mero sincretismo; pela sua interpretação do Cristianismo, ao qual pretende não só prolongar, mas também superar, é algo mais do que uma reforma ou uma ‘heresia’ cristã; e pela rigidez de suas instituições e organização, é algo mais do que uma ‘seita’.” Em outra obra, Puech (1995, p. 6) afirma: “O maniqueísmo é, de fato, a mais complexa e ao mesmo tempo a mais completa das religiões de Salvação.” Além disso, em uma terceira obra, Puech (1988, p. 161) destaca: “A pretensão de universalidade de sua mensagem e de suas missões, sua atividade, sua expansão e sua sobrevivência tenaz o situam no mesmo nível das grandes religiões rivais. O maniqueísmo é, por sua vez, uma ‘religião universal’ e uma ‘Igreja’: ‘a Santa Igreja’ e ‘a Santa Religião’, como se designava.” Mani concebia sua religião como a única que atraíria todas as demais, oferecendo a salvação definitiva e sendo a religião dos fins dos tempos, conforme será apresentada brevemente mais adiante.

[13] RIES, 1980 p. 199. cf. também, RIES, 1987, p. 1090 a 1106.

[14] Cf. TARDIEU, p. 7–8. POLOTSKY, 1996, p. 26, é mais seguro e fala que “Mani, enquanto babiloniense, era súdito do império persiano; na realidade, ele era também de origem irânica: por parte de sua mãe e provavelmente também por parte do pai, ele era aparentado com a família da casa real dos Arsácides”.

[15] Segundo Daniel-Rops (1960, p. 60), “os Helxassaítas ou Aleixitas eram discípulos de um certo Helxassai ou Aleixo, que, no reinado de Trajano, alegou ter recebido, de um anjo com a altura de cem quilômetros, a revelação de uma doutrina estranha, na qual se entrelaçam, de maneira extraordinária, práticas judaicas, dogmas cristãos e elementos de magia […]. O maniqueísmo, mais tarde, absorverá essas influências, que se apresentarão de forma mais ou menos turva.” Conforme Ries (1980, p. 199), os Helxassaítas também eram conhecidos por outras denominações, todas relacionadas ao fato de seus adeptos serem rebatizados. Os árabes os chamavam de Al-mugtasia (aqueles que se banharam), enquanto na tradição síria eram conhecidos como menaqqedê (os purificados) ou hallê hewârê (os que vestem hábitos brancos). Finalmente, Al-Nadim, apud Tardieu ([s.d.], p. 10), afirma: “Professavam abluções e lavavam tudo que comiam. Seu líder é chamado al-Kahasayh, que fornece à comunidade sua lei. Ele postula que os dois campos do ser são macho e fêmea: as plantas hortícolas representam os cabelos do macho, a cuscuta é o cabelo da fêmea e as árvores, suas veias.” Tais rituais alimentares exerceram uma grande influência no maniqueísmo, conforme será abordado adiante.

[16] Segundo TARDIEU, [s.d], p. 18, a aparição do anjo mensageiro a Mani é uma alusão ao Evangelho de São João 14, 26, que diz: “O paracleto vivo desceu até mim e falou-me”, conforme está escrito nos mesmos termos no Keph. 1.

[17] Victor Fabiam Gomes Xavier; Onelielton de Souza Rocha. As duas problemáticas Agostinianas: O Mal e O Tempo [recurso eletrônico] — Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

[18] COSTA, Marcos. O Problema do Mal na polêmica Antimaniquéia de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 53.

[19] Sobre os escritos de Mani, confira: VANNINI, 1989, p. 21, o qual afirma: “O próprio Mani, pois, escreveu de seu punho os sete tratados que constituem o Cânone, para dar um corpo preciso à doutrina e evitar a possibilidade de cismas e heresias”.

[20] O professor Marcos Costa comenta essa parte da vida de Agostinho nestes termos: “Entretanto, apesar dessa solução cômoda [sobre o problema do mal], Agostinho nunca foi um maniqueu convicto; sempre se manteve desconfiado, e tal desconfiança aumentou quando, finalmente, a partir da leitura das ciências gregas, especialmente da música, geometria e astronomia, encontrou alguns pontos de embaraço na doutrina. Ao buscar respostas satisfatórias, não as encontrou entre os maniqueus, nem mesmo junto ao famoso bispo Fausto. Isso levou-o a se afastar, se não definitivamente, ao menos progressivamente, do maniqueísmo. Não encontrando um outro ponto de apoio, passou por uma breve fase de ceticismo. Contudo, seria em Milão, aos 30 anos, ao ser nomeado para a cátedra oficial da cidade, que Agostinho superaria definitivamente o maniqueísmo. Ao entrar em contato com o bispo Ambrósio e a filosofia neoplatônica, encontrou nestes os instrumentos conceituais necessários para recuperar os princípios cristãos que mantinha latentes em seu coração” (COSTA, 2019, p. 233).

[21] De Capitani (1994, p. 66) identifica este dilema como a principal razão que levou Agostinho ao maniqueísmo. Ao comentar a passagem de suas “Confissões” (VII, 14, 20), ele observa: “Aqui vem uma afirmação importante, que nos ajuda a entender o porquê da sua escolha pelo dualismo maniqueu: ‘E já que a minha alma não ousava pensar que as coisas pudessem desagradar a meu Deus, me recusava a reconhecer como obra tua tudo aquilo que não me agradava: nollet esse tuum quidquid ei displicebat’.” Adiante, na p. 68, De Capitani acrescenta: “Agostinho atribui a aceitação de um princípio do mal à sua própria incapacidade de encontrar uma solução alternativa que fosse racionalmente satisfatória para a existência do mal neste mundo.” Ele conclui afirmando que “a impossibilidade teórica de conceber o mal fundamenta a escolha de Agostinho pelo maniqueísmo.”

[22] O desejo de buscar livremente o que tanto aspirava, motivo por convicções pessoais, foi o motivo que levou Agostinho a se aproximar do Maniqueísmo, assim comenta (Costa, 2014, p. 30). “Daí sua entrada no maniqueísmo, como ele mesmo menciona em “Sobre a Utilidade do Crer”, obra escrita com o intuito de fazer retornar o amigo Honorato à fé católica. No primeiro capítulo, Agostinho expõe os motivos que o levaram, junto com Honorato, a abraçar o maniqueísmo. Dentre esses motivos, ele destaca que os maniqueus apelaram à sua vaidade intelectual, oferecendo-lhe um meio de se distinguir do tipo comum, alimentando, assim, seu orgulho intelectual, já acostumado a brilhar entre amigos e colegas de estudo. Além disso, apresentaram-lhe um caminho para Deus através do exercício livre da razão, um caminho que não exigia que ele atribuísse autoridade a ninguém além de si mesmo. Essa abordagem lhe proporcionou a satisfação de acreditar ter encontrado a solução para seus problemas por meio de sua própria perspicácia. Como ele mesmo diz: “Tu sabes, Honorato, que entramos no círculo daqueles (dos maniqueus) e caímos em suas redes por isto: porque prometiam, deixando de lado o testemunho odioso da autoridade, levar até Deus, livrando-nos de todo erro, e por um exercício estritamente racional” (De utilit. cred. 1, 2).

[23] Sobre isso, diz Jolivet (1932, p. 117) que o envolvimento de Agostinho com o neoplatonismo não passou de “um trampolim” para alcançar um nível mais elevado na busca da verdade que Agostinho tanto almejava. O contato com os neoplatônicos serviu como meio para atingir um fim maior. Assim, ele afirma: “Os ‘Diálogos’ [agostinianos] tinham a intenção de atrair para a fé cristã alguns amigos muito queridos, que haviam tributado um culto entusiástico aos ‘platônicos’. Para conquistá-los, Agostinho precisava conservar, por assim dizer, o estilo neoplatônico e, com a isca do atrativo exterior, conduzi-los sem violência aos sentimentos cristãos que ainda não compartilhavam.” Em síntese, para Jolivet, as questões discutidas no “retiro de Cassicíaco” são, antes de tudo, religiosas, embora o tratamento seja filosófico e de cunho neoplatônico.

[24] (Cf. Conf. III, 4, 8). Sobre isso, Agostinho não se dava conta, naquele momento; porém, em períodos posteriores, afirmou considerar como um ato da providência divina o seu afastamento do maniqueísmo e sua aproximação com Ambrósio e os escritos neoplatônicos. Essa transição revelou-se fundamental para o desenvolvimento de seu pensamento filosófico e teológico. Também a influência do pensamento de Cícero na juventude de Agostinho foi tão significativa que FLASCH (1983, p. 28) chega a falar de um “período estóico” na evolução intelectual de Agostinho, antes do maniqueísmo e do neoplatonismo. Tese essa igualmente defendida por MADEC (1996, p. 34), onde, entre outras coisas, assevera: “Pode-se assim distinguir um ‘período estóico’ na evolução do pensamento de Agostinho”. Em seguida, completa: “As obras filosóficas de Cícero, entre outras, o ensinaram suficientemente sobre o sistema estóico”. Sobre a influência das obras de Cícero no pensamento agostiniano, cf. TESTARD (1958, vol. I) e o capítulo do livro de RICÓN GONZÁLEZ (1992, p. 39), onde se mostra a influência do estilo ciceroniano sobre os diálogos agostinianos.

[25] COSTA. Marcos. O Problema do Mal em Santo Agostinho. Curitiba, 2014, p. 29.

[26] A respeito disso, diz PUECH, 1995, p. 26: “No maniqueísmo a consciência é, de fato, presença iluminante do Espírito, do Noûs — o elemento salvador — na alma — o elemento a ser salvo. De tal modo essa confere à alma, unida aos dons intelectuais, a gnose, como, no gnosticismo, a consciência é ciência”.

[27](Cf. Keph. 3,24). De acordo com PUECH, 1990, p. 436 e idem, 1979, p. 199, a obra Kephalaios é um conjunto de fragmentos das cartas de Mani transcritas, provavelmente, por algum de seus discípulos, que foi encontrado na região de Medînet Mâdi, no Sudoeste de Feyorum, no Médio Egito. Hoje os manuscritos encontram-se à disposição no Museu Nacional de Berlim.

[28] Cf. DONI, 2000, p. 41: “Os maniqueus se apresentavam como praticantes de uma vida austera, ascética”. DI STEFANO, 1960, p. 14, ao relacionar os motivos que levaram Agostinho ao maniqueísmo, inclui nestes o ascetismo: “Devemos colocar em evidência também motivos de ordem moral, aquele da aparente austeridade e a virtude que os maniqueus pareciam professar tão rigorosamente”. BETTETINI, 1994, p. 28, diz que, naquele momento histórico, a figura do asceta era vista como o ideal de vida cristã; e como os maniqueus viviam, pelo menos aparentemente, uma vida ascética, tal fato causava grande admiração aos jovens da época, dentre eles Agostinho, sendo, portanto, um dos fortes motivos que o levaram ao maniqueísmo. A esse ponto voltaremos mais adiante, quando tratarmos da moral maniqueia.

[29] Agostinho, Contra Fausto. I, 3. Mais adiante, na mesma obra, no Livro XX, capítulo 4, Fausto refere-se à Igreja católica como um cisma do paganismo, o que leva a uma severa crítica por parte de Agostinho. Ainda no Livro XX, ambos, Agostinho e Fausto, voltam a se acusar de paganismo. Já no Livro XV, Fausto refere-se à Igreja maniquéia como a autêntica esposa de Cristo, ao que Agostinho rebate, com indignação, chamando-a de “imunda sociedade” ou “congregação adúltera”, por adorar a muitos como esposos, ou melhor, a vários demônios, enquanto a Igreja católica é a casta esposa de um só esposo: Cristo.

[30]Sobre a profundidade dessas inquietações, comenta MUÑOZ VEGA (1981, p. 14) o qual afirma: “Por que Agostinho sentiu com tanta angústia o problema do mal? A razão está na profundidade de sua vida moral. Sua alma buscou, durante longos anos, uma resposta à magna quaestio levantada pela inquietude de uma vontade que aspira a viver de modo a satisfazer seu querer.” Da mesma forma SARANYANA (1999, p. 59) resume esse impulso do pensamento de Agostinho da seguinte forma: “O pensamento de Santo Agostinho correu paralelamente à sua própria vida. Ele teve dois interesses primordiais: uma grande paixão pela verdade, suscitada pela leitura do Hortensius, e uma crescente preocupação pela origem do mal no mundo, produzida pela experiência de sua própria debilidade.”

[31] PIZZOLATO (1994, p. 13) vai além e mostra que Agostinho sempre foi, e continuará a ser, especialmente em suas funções eclesiásticas, um gramático-retórico. Essa posição é igualmente defendida por MARROU (1938, p. 47s), que afirma: “Agostinho permaneceu por toda a vida um gramático: pelo gosto pelas análises da palavra, pela reflexão teórica sobre os mecanismos da língua, sobre a noção de signo e sobre a relação entre palavra e sentido.”

[32] MARROU (1938, p. 475–476) compartilha dessa opinião. BARDY (1940, p. 26) acrescenta: “A velha Bíblia Latina foi traduzida numa linguagem popular, cheia de barbarismos e solecismos.” No entanto, após sua conversão, Agostinho não considera a Bíblia inferior às demais expressões literárias. Um exemplo disso pode ser encontrado no Livro IV, 6, 7 de Sobre a Doutrina Cristã, onde ele se empenha em demonstrar a beleza da forma literária da Bíblia.

[33] Segundo: PAPINI, 1949, p. 101–102.

[34] SCIACCA, 1956, p. 01. JOLIVET, 1932, p. 76, é da mesma opinião, e apresenta como principal obstáculo para a solução do problema do mal, nesse período, a dificuldade que Agostinho tinha de entender o mal como um “nada”, ou seja, de alcançar a “nulidade metafísica”, um problema filosófico que só seria resolvido mais tarde com o encontro com o neoplatonismo, conforme veremos adiante.

[35] Para um maior aprofundamento a respeito dessa emancipação agostiniana, veja: Philoteus Boehner, Etienne Gilson. História da Filosofia Cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Tradução e notas introdutórias de Raimundo Vier. — 13. ed. — Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

[36] Segundo Brachtendorf (2020, p.147), “Agostinho deve ao neoplatonismo os meios conceituais pelos quais chegou a um conhecimento adequado de Deus” e também adquire, como consequência da aproximação com os neoplatônicos, um conceito mais robusto do malum (mal), que torna obsoleto colocar um segundo princípio originante ao lado de Deus, como fazem os maniqueus. O neoplatonismo possibilitou ao santo doutor dar um passo em rejeição ao dualismo maniqueísta para o monoteísmo. A pergunta unde malum?, com que os maniqueístas criticam o catolicismo da época de Agostinho, pode ser respondida — segundo a tese recém adquirida pelo hiponense e fundamentada no monoteísmo. Essa tese será apresentada em breve.

[37] (Cf. Conf. VII, 8, 12),

[38] A respeito desse ponto, comenta JOLIVET (1932, p. 100–101) observando que no início da narrativa de sua passagem pelo neoplatonismo, Agostinho já deixa claro que, apesar de reconhecer as grandes contribuições que recebeu dessa filosofia, que tocaram seu coração, para ele “o autor autêntico desta transformação maravilhosa não era Plotino, mas Deus, o guia invisível em seu próprio interior”. Da mesma forma, MUÑOZ VEGA (1981, p. 22) afirma: “Agostinho atribui seu primeiro encontro com ‘os platônicos’ a uma disposição particular de uma mão suave e misericordiosa que ia moldando pouco a pouco seu coração e trazendo até seu espírito um novo caminho, ou seja, a obra secreta da graça e da fé”. Isso evidencia o amor incondicional de Agostinho pela graça divina.

[39] Conforme se observa, Agostinho não menciona expressamente o nome do homem que lhe apresentou os referidos livros. Entretanto, é comum atribuir esse feito a Flávio Mânlio Teodoro, uma importante personalidade literária e política que alcançou o cargo de cônsul do Império. Teodoro era um homem culto, amante da filosofia neoplatônica, com quem Agostinho estabeleceu amizade em Milão ao integrar-se ao grupo de Ambrósio e Simpliciano. A esse respeito, TRAPÈ (1994, p. 52) afirma: “Em Milão, ao redor de Ambrósio e de Simpliciano, havia se formado um círculo de estudiosos que se reuniam, às vezes, em torno da filosofia e da prática da vida cristã. Conhecemos Mânlio Teodoro, Zenóbio e Ermogeniano. O primeiro, mais conhecido entre eles, era um ‘culto apaixonado’ dos neoplatônicos. Alguns anos antes, havia se retirado para uma vida privada em um refúgio campestre, onde começou a escrever livros de filosofia e tratados de métrica clássica.”

[40] Aqui Agostinho usa a expressão literal “alguns livros platônicos” (Conf. VII, 9, 13).

[41] COSTA, Marcos. O problema do mal em Santo Agostinho. Curitiba, 2014, p.97.

[42] Segundo SESÉ (1997, p. 64), essa tradição é confirmada e diz: Plotino, filósofo neoplatônico, nasceu no Egito em 204 e faleceu em Minturno, na Campânia, em 270. Foi discípulo de Amônio Sacas, que fundou o neoplatonismo em Alexandria. Em Roma, Plotino divulgou seus ensinamentos com imenso sucesso. Sua única obra, as “Enéadas”, recebeu esse título e foi publicada por seu discípulo e biógrafo, Porfírio (232/3–305). Plotino exerceu uma grande influência não apenas sobre Agostinho, mas também sobre diversos Padres da Igreja, como Basílio de Cesareia (330–379), que se inspira nele ao explorar os espaços inacessíveis de Deus em seu opúsculo sobre o Espírito Santo; Ambrósio, que se apóia em Plotino para falar do êxtase de São Paulo e para definir o mal como carência do bem; entre muitos outros.

[43] Costa (2014, p. 97) afirma que, segundo Jolivet, aos olhos de Plotino, Aristóteles mantinha um dualismo radical. Em contrapartida, Platão se aproximava mais de uma unidade, o que lhe parecia mais plausível. Essa perspectiva levou Plotino a adotar, ao menos em um primeiro momento e por questões metodológicas, o dualismo platônico. Assim, para Jolivet, o dualismo plotiniano é mais metodológico do que ontológico (JOLIVET, 1932, p. 86). Essa ideia é corroborada por Cirne-Lima (1997, p. 49–77), que demonstra que, ao se afastar de seu mestre, Aristóteles envereda por um dualismo que não culmina em uma síntese final, ao contrário da dialética de Platão.

[44] “A tese central de Plotino em relação ao Uno, que é o primeiro princípio em sua filosofia, é que ele é além do ser. Dizer que o Uno é além do ser significa dizer que é além de tudo, isto é, além de tudo aquilo que é determinado, de tudo aquilo que possui uma forma ou um caráter particular. Essa tese da transcendência do Uno em relação ao ser, como se sabe, é uma reminiscência platônica. Platão sustentava que o bem é além da essência, ou além do ser, conforme o modo como é traduzida a palavra ousía na fórmula epékeina tês ousías de República, 509b. Mas aquilo em Platão era ainda uma tese excepcional, enunciada de modo fugido, torna-se [agora] a peça central do pensamento de Plotino, na qual assenta toda a sua filosofia” (NARBONNE, 2014, p.30).

[45] De acordo com Alsina Clota (1989, p. 53), é possível que Plotino tenha despertado para a ideia de processão a partir do conceito emanatista de criação do pensador judeu-helenístico Filon de Alexandria: “Efetivamente, em Filon, Deus, que é inteiramente transcendente, cria a partir da superabundância de sua perfeição. O emanatismo filoniano reaparecerá em Plotino, ainda que em forma completamente distinta. O processo pelo qual se produz a criação é chamado, na terminologia plotiniana, de próodos, que os modernos têm traduzido como processão.” Em “As Enéadas”, Plotino descreve as processões como uma sucessão de círculos concêntricos que surgem a partir de um único ponto: “Existe qualquer coisa que poderia dizer-se centro: ao redor deste, há um círculo que irradia o esplendor emanante daquele centro; ao redor deste (centro e primeiro círculo), um segundo círculo, luz da luz” (En. IV, 3, 17).

[46] Reale (1994, p. 439), ao estabelecer uma relação entre o pensamento de Plotino e seus predecessores, afirma que “o princípio último do real, para Aristóteles, era a essência (ousia) e a inteligência do Motor Imóvel; para Plotino, ao contrário, o princípio é ainda ulterior: é o Uno, que está para além do ser e da essência, para além da inteligência; é o Uno que transcende a própria ousia e o próprio Nous.” Assim, conforme Gonzalez Alvarez (1964, p. 121), “o Uno não encerra em si composição alguma. Não pode ser, por conseguinte, matéria, pois a matéria é essencialmente formada por partes extensas. Tampouco pode ser espírito, visto que, no espírito, ocorre, ao menos em função do conhecimento, a dualidade sujeito-objeto.” Klimer e Colomer (1961, p. 110) complementam essa visão, afirmando que “o Uno é o Ser supremo sobre todas as essências determinadas e finitas. Como Primeiro Princípio de todas as coisas, compreende em si toda a realidade e, no entanto, não possui nenhuma determinação. Não é ente, pois o ente já expressa alguma determinação.”

[47] O Uno de Plotino é descrito como eterno, transcendente, infinito e necessário (Costa, 2014, p. 99). A segunda emanação, ou processão,por sua vez, é a Inteligência, também referida como Espírito, Lógos ou Noûs. Essa Inteligência não apenas é uma cópia ou parte do Uno, mas também contempla a si mesma, agindo como uma razão consciente de sua própria existência. Em outras palavras, ela é simultaneamente a Inteligência que pensa e o Ser que é pensado. Essa dualidade é detalhada por Plotino em suas Enéadas (V, 1, 1, 1 e V, 1, 4, 1).

[48] Assim diz Costa (2014, p. 107) a respeito da característica e finalidade da Alma Universal, ele diz: “Para Plotino, isso só é possível, porque a Alma universal, analogamente ao que acontece com a segunda hipóstase (a Inteligência), traz em si uma divisão interna, ou uma dupla natureza; por um lado, ela é atividade intelectiva (Alma superior), voltada a contemplar o Uno, sua principal vocação, embora não o conheça diretamente, mas através da segunda hipóstase, ou seja, das imagens, dos conceitos ou formas existentes no mundo das ideias da Inteligência.” (Os grifos são nossos)

[49] Sobre isso, observa em primeiro lugar, Fraile, que diz, em Plotino, apesar do monismo que postula que tudo deriva e retorna ao Uno, existe uma separação ou subordinação hierárquica entre as três hipóstases. As duas últimas são emanações da primeira, sendo que a terceira hipóstase, a Alma, não emana diretamente do Uno, mas indiretamente, por meio da segunda hipóstase. Assim, há uma graduação na perfeição dos seres. Ullmann destaca que “os seres derivados do Uno constituem uma imagem ou perfeição da causa incausada; contudo, quanto mais distantes estão dela, menor é sua beleza e maior a sua composição em partes.”

[50] Cf. FRAILE (1956, p. 733), que afirma: “As três hipóstases — o Uno, a Inteligência e a Alma — são conhecidas como a trindade plotiniana. Essas hipóstases são distintas e inferiores uma à outra, não consubstanciais nem idênticas em essência […], e são completamente diferentes da Trindade do dogma católico.” De acordo com DeSIMONE (1995, p. 79–84), ao analisar o De Trinitate de Agostinho, observa-se que a obra inicia-se refutando o arianismo e culmina como um tratado antineoplatônico. O arianismo, fundamentado no filósofo neoplatônico Eunomio, adota um sistema de subordinação hierárquica entre as três hipóstases espirituais, aplicando-o às três Pessoas da Trindade. Em contraste, Agostinho, ao se afastar tanto do neoplatonismo quanto do arianismo, constrói uma Trindade que não é subordinada, apresentando-a como uma Trindade na Divindade.

[51] ULLMANN (1995a, p. 184) ressalta que, conforme ABBAGNANO (1984, p. 86), a emanação é um processo que não apenas transita de uma imagem a outra, mas também representa uma degradação. Aquilo que emana do Uno é inferior a ele, assim como a luz é menos intensa do que a fonte que a irradia, e a onda de perfume se torna menos perceptível à medida que se afasta do corpo odorífero. SCIACCA (1966, p. 137) complementa essa visão, afirmando que as emanações do Uno se degradam à medida que se distanciam da fonte, movendo-se através de zonas cada vez menos luminosas até atingirem a completa escuridão. Entre os extremos da luz plena e das trevas opacas, existem graus intermediários nesse processo. A emanação, por meio desses graus, indica um progressivo despotenciamento do ser, que vai do Uno à dualidade, à multiplicidade e, finalmente, ao não-Ser ou matéria. Assim como os raios de luz, que se tornam gradualmente mais fracos à medida que se afastam do centro luminoso que os irradia, as emanações também perdem sua intensidade à medida que se distanciam do Uno.

[52] Segundo Brachtendorf (2020, p.148), para Agostinho, a concepção maniqueísta sobre a origem do mal se apresenta como inválida. Porém, ele ainda não encontrou uma resposta satisfatória e completamente aceitável dessa questão. Ele considera, por exemplo, comenta o autor, a suposição de uma matéria-prima-má, mas que Deus é a verdade, do mesmo modo, formou e ordenou as coisas; mas nesse processo permaneceu um resto não convertido em bem. Esse resto que sobra e é identificado com algo ruim, não é produção de Deus, mas uma corrupção causada pelo próprio homem. Pois essa concepção de Deus como Criador de algo mal não é conciliável com a onipotência de Deus em ser Sumo-Bem e produtor de coisas boas e belas. (os grifos são nossos)

[53] Assim afirma o relato do Gênesis 1, 31: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom”, texto extraído da BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Nova tradução. Brasília-DF. Edições CNBB, 2022.

[54] (De nat. boni 1). Carvalho (1992, p. 9) ressalta que a ideia de um Deus transcendente como Sumo Bem, que Agostinho apreendeu a partir da noção de “Bem, primeiro princípio” de Plotino (En. I, 3,1), do qual provém toda bondade, é fundamental para a concepção de que “toda natureza é boa”. Nesse sentido, “o Bem supremo é Deus”, o que implica que Ele é a condição para que toda a natureza seja boa, mesmo não sendo parte dela. Em “Sobre a Natureza do Bem”, Agostinho insiste repetidamente nesse princípio, segundo o qual todas as coisas recebem sua bondade pela participação na bondade divina. Por exemplo, no capítulo 19, intitulado “Por Deus, o Verdadeiro Ser, Existe a Natureza”, ele afirma: “Assim como tudo que existe por Ele é bom, tudo quanto existe naturalmente existe por Ele, posto que tudo o que existe naturalmente é bom.” Dessa forma, ele conclui que, uma vez que toda a natureza é boa e todo bem procede de Deus, é lógico afirmar que toda a natureza provém de Deus: “Ac per hoc sicut ab illo est omne quod bonum est, sic ab illo est omne quod naturaliter est; quoniam omne quod naturaliter est, bonum est. Omnis itaque natura bona est, et omne bonum a Deo est: omnis ergo natura a Deo est” (De nat. boni 19).

[55] (De nat. boni 3).

[56] Agostinho foi “seduzido pelo maniqueísmo”: (Conf. Livro III, cap. 6, p. 73).

[57] (Cf. Conf. III, cap. 6, p. 73).

[58] No pensamento cristão, Deus é identificado como a suma simplicidade, não sendo composto por nada e sendo concebido como totalmente abstraído da materialidade. Ele é considerado o primeiro Ente e incausado, ou seja, a causa primeira, conforme a filosofia de Tomás de Aquino (Sth., I, q. 7, resp.). Essa concepção difere fundamentalmente do pensamento maniqueísta, que entende Deus como um ser corpóreo e dotado de materialidade. Essa distinção é fundamental e revela as diferentes ontologias e epistemologias que permeiam cada uma dessas concepções religiosas.

[59] COSTA, Marcos. Maniqueísmo, História e filosofia da religião. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 45.

[60] O termo panteísmo foi utilizado pela primeira vez, por J. Toland (Socianimism Truly Standed, 1705), o primeiro a empregar o termo. Panteísmo é uma doutrina segundo a qual Deus é a natureza do mundo (v. Deus) identificando a causalidade divina com causalidade natural. (ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 742).

[61] COSTA, Marcos. O problema do mal na polêmica Antimaniqueísta de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 71.

[62] Demiurgo (do grego demiourgos, “artesão”, “artífice”), divindade que molda o mundo material a partir do caos preexistente. Platão introduz o demiurgo no seu diálogo, Timeu. Por ser perfeitamente bom, o demiurgo deseja comunicar a sua própria bondade. Usando as formas como modelo, molda o caos inicial dentro da melhor imagem possível destes eternos e imutáveis arquétipos. O mundo visível é o resultado disto. Embora o demiurgo seja a divindade mais alta e o deus do ateísmo, seu status ontológico e axiológico é inferior ao das formas, especialmente a forma do bem. É também limitado. O material que emprega não é criado por ele. Além disso, este mesmo material é desordenado e indeterminado, e, portanto, resiste parcialmente à sua ordenação racional. No agnosticismo, o demiurgo é causa ignorante, fraca e má, ou ainda, moralmente limitada do cosmo. Na era moderna, o termo foi ocasionalmente usado para uma divindade que é limitada em poder ou conhecimento. (DE CAMBRIDGE, Dicionário de Filosofia. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2006, p. 213).

[63] COSTA, Marcos. O problema do mal na polêmica Antimaniqueísta de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 75.

[64] BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. 8ª impressão. São Paulo: Paulus, 2012, p. 2088.

[65] COSTA, Marcos. O problema do mal na polêmica Antimaniqueísta de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 95.

[66] COSTA, Marcos. Maniqueísmo, História e filosofia da religião. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 92.

[67] COSTA, Marcos. O problema do mal na polêmica Antimaniqueísta de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 106.

[68] SILVA, Ivan. O problema do mal em Santo Agostinho. São Paulo: Editora Pillares, 2008, p. 44.

[69] AGOSTINHO, Santo. Confissões. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2008, p. 175–176.

[70] BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. 8ª impressão. São Paulo: Paulus, 2012, p. 35.

[71] COSTA, Marcos. O problema do mal na polêmica Antimaniqueísta de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 243.

[72] O roubo das peras, segundo uma análise psicológica, pode parecer, à primeira vista, um ato sem finalidade alguma. No entanto, conforme o próprio Agostinho argumenta em suas “Confissões” (II, 5, 11), as peras roubadas não representavam para ele um bem, nem mesmo um bem pequeno, pois ele as descartou no mesmo momento que as conseguiu. Além disso, ele possuía Peras melhores em sua própria casa. O que o motivou ao roubo não foi o desejo de obter um bem através delas, mas sim a alegria derivada do próprio ato delituoso do pecado. Agostinho afirma: “Que o meu coração vos diga o que buscava nesse sorvedouro, sendo eu mau desinteressadamente e não havendo outro motivo para a minha maldade senão a própria maldade. Era asquerosa e amei-a. Amei minha morte, amei meu pecado. Amei não aquilo a que era arrastado, senão a própria queda” (4, 9). O prazer residia na maldade em si, e não em algum objetivo externo ao ato (BRACHTENDORF, 2020, p.79).

[73] Tais doutrinas se apresentavam estranhas a Agostinho e, por diversas vezes em suas “Confissões”, afirmava que enquanto os maniqueus permanecerem em seus erros, agindo como vãos sedutores do espírito, defendendo a ideia de que possuímos duas almas — uma boa e uma má — , esses pensadores são, de fato, nocivos a todos por seguirem tal doutrina. Tornar-se-ão verdadeiramente bons apenas quando reconhecerem a verdade e concordarem com o Apóstolo, que afirma: “Outrora fostes trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Efésios 5, 8) — (Confissões, livro VIII, cap. 10).

[74] Importante salientar que muito desta concepção de Deus com base na qual Agostinho refuta o Maniqueísmo deve-se à influência do Neoplatonismo, sobretudo de Plotino, mas já com os sermões do Bispo Ambrósio, que incitaram Agostinho à leitura dos textos plotinianos e da Bíblia. Sobre este assunto Cf. o capítulo referente ao Neoplatonismo em (BROWN, 2005 e também AGOSTINHO, 2006, V, 13 e VII, 9.).

[75] Se o fosse, seria Deus mesmo, tal como o Filho é Deus porque consubstancial ao Pai. (Cf. AGOSTINHO, 2005).

[76] Cf. Ibidem, cap. 10. A mutabilidade dos seres criados deve-se não simplesmente ao fato de terem sido criados do nada, mas porque não o foram a partir da natureza mesma de Deus, de sua própria substância.

[77] Porque “tudo criastes com número, peso e medida” (Sb 11, 20). Texto extraído da BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Nova tradução. Brasília-DF. Edições CNBB, 2022.

[78] Para Agostinho, segundo Brachtendort (2020, p. 149), esse mal, o mal moral, é fruto da corrupção do homem, corrupção essa que é um reflexo da arrogância humana em querer ser como Deus. O homem mau não deseja ser orientado por Deus, mas sim ser o próprio condutor de sua vida, sem necessitar ser guiado por este sumo Bem. Esta é a consequência daquela escolha feita no Éden. O relato gênesico diz: “Deus sabe que, no dia em que comerdes da árvore [a árvore do bem e do mal], vossos olhos se abrirão e sereis como Deus” (Gn 3, 5). E, segundo o mesmo autor, é nisso que consiste o mal: no orgulho do homem em querer “se elevar à posição de ser como Deus, mas, factualmente, ele, assim, desce ao nível do corpóreo”, ou seja, do falível do mutável. (Os grifos são nossos)

[79] Não haveria “homem” sem um “corpo” ou sem uma “alma”, pois Agostinho expressamente o define como uma substância constituída de alma e corpo. Cf. Agostinho, 1994. Cf. também a nota complementar à tradução nº. 6 da referida obra: “Aqui está apresentada por Agostinho a constituição do homem de um modo dualista: corpo e alma. Sendo a alma racional o princípio da vida e sua forma (species formae). A definição clássica do homem: ‘animal rationale’ lhe era bem conhecida. Definição que justapõe os dois elementos do todo, sem os hierarquizar. Mas Agostinho manifestamente preferia a definição de inspiração bíblica: ‘Uma alma racional servida por um corpo terrestre’ “. Em Solilóquios, II, 21, 1998, encontramos: “[…] somos compostos de duas partes, a alma e o corpo. A melhor é a alma, e a menos boa, o corpo”. E ainda, em A Cidade de Deus, 1991a, v.I, 414; v. II, pode-se ler: “É grande verdade não ser a alma do homem todo homem, mas sua parte superior, nem seu corpo todo o homem, mas sua parte inferior”. E, recomenda Agostinho em A Doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã, I, 24, 1991b: “Devemos ensinar ao homem a medida de seu amor, isto é, a maneira como deve amar-se a si próprio para que esse amor lhe seja proveitoso […] como deve amar seu corpo, para que tome cuidado dele, com ordem e prudência”.

[80] (cf. BRACHTENDORF, 2020. p. 150; apud CONFESSIONES, 1990).

[81] Tal indagação é tão recorrente nas inquietações humanas que foi realizada por Evódio no começo do segundo livro sobre o Livre Arbítrio. N.E.

[82] Somente o homem pode ser feliz ou infeliz, porque racional e dotado de livre-arbítrio Cf. (AGOSTINHO, 2005, cap. 8). Entretanto, quanto mais Agostinho se aprofunda na doutrina cristã, mais o livre-arbítrio se torna impotente mediante a graça, da qual necessita para empreender seu caminho de “ascensão” a Deus, porque sozinho o homem não pode discernir, entre os bens, aquele que deve perseguir. A graça, portanto, é o guia da vontade corrompida. Cf. (Costa, 2009, p. 45–46).

[83] Ademais, apesar de Deus não ser o autor do mal, existe uma certa “permissibilidade” divina para que se cause dano uns aos outros, como forma de justa punição pelos pecados, pois: “[…] a nenhuma natureza submetida a Deus se pode injustamente causar dano. Com efeito, se algumas naturezas injustamente fazem mal a outras, a vontade injusta será inculpada; mas o poder de causar dano não lhes é permitido senão por Deus mesmo, o qual, ainda que o ignorem elas, sabe os castigos que merecem aqueles a quem Ele permite fazer o mal” (AGOSTINHO, 2005, cap. 11).

[84] Para um aprofundamento desse tema, veja os comentários do Brachtendorf (2020, p. 36–37), sobre as Confissões de Agostinho. Quanto à emancipação de Agostinho em relação ao maniqueísmo e ao neoplatonismo, consulte também Philoteus e Gilson (2012, p. 144–145), assim como a obra Introdução ao Estudo de Santo Agostinho, de Gilson. São Paulo: Editora Discurso Editorial; Paulus, 2010.

[85]No príncipio era a Palavra [logos, verbo], e a palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus.” Texto extraído da Bíblia. 2 — Edição, CNBB, 2019, p. 1466.

[86]Pois tudo o que Deus criou é bom e nada é desprezível”, trecho retirado da Bíblia de Jerusalém. 8ª impressão. São Paulo: Paulus, 2012. (Os grifos são nossos)

[87] Sobre esse ponto, diz RICOEUR, 1988, p. 32: “Dos filósofos (platônicos), Agostinho sustenta que o mal não pode ser entendido como substância, pois pensar o ‘ser’ é pensar ‘inteligivelmente’, pensar o ‘uno’, é pensar o ‘bem’. Então, o pensar filosófico exclui todo o fantasma do mal substancial. Por outro lado, nasce uma ideia de nada, e do ex nihilo, contida na ideia de uma criação total sem excesso”.

[88] ALVAREZ-TURIENZO, 1954, p. 92. Aqui é igualmente comentando a mudança de perspectiva de Agostinho em relação aos filósofos que o antecederam, diz também, LE BLOND, 1950, p. 8: “O oriental, da mesma forma que o grego, não tem sensibilidade para o mal ético. A moral, em um e outro, era simplesmente física”. Por fim, essa posição também é igualmente ressaltada por GUITTON, 1971, p. 230–31.

[89] Esse momento ou estado da criação é denominado como “estado de justiça natural ou original” e recebe na teologia católica essa nomenclatura particular por consequência de algumas qualidades infusas, os “dons pré-naturais ou preternaturais”, eles são: imortalidade, inocência, integridade, sabedoria e graça santificante. N.E. (Os grifos são nossos).

[90] Os pelagianos, liderados por Pelágio, que era um bispo da Igreja, formaram um grupo fundamentado na doutrina que afirmava que os homens, por sua própria força, conseguiriam alcançar o estado de beatitude e virtude, não necessitando de mais nada além dos ensinamentos e do exemplo da vida de Cristo e dos Evangelhos. Além disso, muitas de suas doutrinas confrontavam o ensinamento cristão da época e as teses agostinianas, em especial o ‘pecado original’, pois Pelágio afirmava que Adão e Eva foram criados mortais e que, com seu pecado, não prejudicam a natureza humana posterior (LIGÓRIO, 2020, p. 122). No entanto, o erro principal dos pelagianos foi contradizer o livre-arbítrio, pois eles diziam que o homem, com suas próprias forças naturais, sem o auxílio da graça nem de Deus, pode cumprir perfeitamente todos os preceitos divinos, superar todas as tentações e ser merecedor do céu sem a ajuda de Deus.

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Eduardo Moura
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Written by Eduardo Moura

Ad maiorem Dei gloriam! — Minha missão é ensinar e, com o auxílio da graça de Deus, converter. Escritos de um católico sobre catequese e vida dos Santos.⚜️

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