Questões sobre o batismo de João e se Cristo devia ser batizado
Se o batismo de João devia cessar depois que Cristo foi batizado
Discute-se assim. — Parece que o batismo de João devia cessar depois que Cristo foi batizado.
1. — Pois, diz o Evangelho: Por isso eu vim batizar em água, para ele ser conhecido em Israel. Ora, pelo batismo que recebeu Cristo se manifestou suficientemente; quer também pelo testemunho de João; quer pela descida da pomba; quer também pelo testemunho da voz paterna. Logo, parece que, depois, não devia durar o batismo de João.
2. Demais. — Agostinho diz: Cristo batizado cessou o batismo de João. Logo, parece que João não devia continuar a batizar, depois do batismo de Cristo.
3. Demais. — O batismo de João era preparatório ao de Cristo. Ora, o batismo de Cristo começou logo depois de ele ter sido batizado; pois, pelo contato do seu puríssimo corpo conferiu às águas a virtude regeneradora, como diz Beda. Logo, parece que o batismo de João cessou uma vez Cristo batizado.
Mas, em contrário, o Evangelho: Veio Jesus para a terra de Judéia e batizava; e João também batizava. Ora, Cristo só batizou depois de ter sido batizado. Logo, parece que mesmo depois de Cristo ter sido batizado, João ainda continuava a batizar.
SOLUÇÃO. — O batismo de João não devia cessar, depois de Cristo batizado. — Primeiro, porque, como diz Crisóstomo, se João cessasse de batizar, uma vez Cristo batizado, haveriam de pensar que o fez por ciúmes ou por cólera. — Segundo, porque se cessasse de batizar, depois de Cristo estar batizando, poderia despertar maiores ciúmes nos seus discípulos. — Terceiro, porque continuando a batizar, enviava à Cristo os seus ouvintes. — Quarto, porque, como diz Beda, ainda permaneciam as sombras da lei antiga; nem devia cessar o precursor, antes da verdade manifestar-se.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo batizado, ainda não se tinha assim plenamente manifestado. Por isso ainda era necessário João continuar a batizar.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Batizado Cristo, cessou o batismo de João; não, porém imediatamente, mas só quando ele foi encarcerado. Por isso diz Crisóstomo: Penso que a morte de João foi permitida, e que sobretudo depois dessa morte é que Cristo começou a pregar, para que este concentrasse em si todas as afeições do povo e desaparecessem os dissentimentos que, a propósito de um e de outro, já tinham começado a manifestar-se.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo de João era preparatório não só ao batismo de Cristo, mas também para que outros se achegassem a receber este último batismo. O que ainda não se tinha realizado, mesmo depois que Cristo foi batizado.
Se os que já tinham recebido o batismo de João deviam receber também o batismo de Cristo
Discute-se assim. — Parece que os que já tinham recebido o batismo de João não deviam receber depois o batismo de Cristo.
1. — Pois, João não era menor que os Apóstolos segundo a ele se refere o Evangelho: Entre os nascidos de mulheres não se levantou outro maior que João Batista. Ora, os que foram batizados pelos Apóstolos não o foram de novo, mas só se lhes acrescentou a imposição das mãos. Assim, diz a Escritura, que certos foram somente batizados por Filipe em nome do Senhor Jesus; então os Apóstolos, isto é, Pedro e João, punham as mãos sobre eles e recebiam o Espírito Santo. Logo, parece que os batizados por João não deviam receber também o batismo de Cristo.
2. Demais. — Os Apóstolos receberam o batismo de João, pois, alguns foram discípulos dele. Ora, parece que os Apóstolos não receberam o batismo de Cristo; assim, diz o Evangelho: Jesus não batizava, mas sim os seus discípulos. Logo, parece que os que tinham recebido o batismo de João não deviam depois receber o de Cristo.
3. Demais. — O batizado é inferior a quem o batiza. Ora, não diz a Escritura que João tivesse recebido o batismo de Cristo. Logo, com maior razão, os batizados por João precisavam de ser depois batiza dos por Cristo.
4. Demais. — Diz a Escritura: Paulo achou alguns discípulos e lhes disse: Vós recebestes já o Espírito Santo quando abraçastes a fé? E eles lhe responderam: Antes nós nem sequer temos ainda ouvido se há Espírito Santo. E ele lhes disse: Em que batismo fostes vós batizados? eles disseram: No batismo de João. Por onde, foram batizados de novo em nome do Senhor Jesus. E assim, parece que era preciso serem batizados de novo, por ignorarem a existência do Espírito Santo, como dizem Jerônimo e Ambrósio. Ora, certos receberam o batismo de João, que tinham conhecimento pleno da Trindade. Logo, não deviam receber de novo o batismo de Cristo.
5. Demais. — Aquilo do Apóstolo: Esta é a palavra da fé que pregamos — diz a Glosa de Agostinho: Donde tira a água essa virtude tão maravilhosa de purificar à coração, ao mesmo tempo que lava o corpo, senão por efeito da palavra, não precisamente porque pronunciada, mas porque crida? Por onde, é claro que a virtude do batismo depende da fé. Ora, a forma do batismo de João simbolizava a fé com a qual somos batizados, conforme àquilo do Apóstolo: João batizou ao povo com batismo de penitência, dizendo: Que cressem naquele que havia de vir depois dele, isto é, em Jesus. Logo, parece não era necessário os que receberam o batismo de João terem que receber de novo o de Cristo.
Mas, em contrário, Agostinho: Os que receberam o batismo de João era preciso receberem depois o de Cristo.
SOLUÇÃO. — Segundo a opinião do Mestre das Sentenças, os que receberam o batismo de João, ignorando, a existência do Espírito Santo, mas pondo a esperança nesse batismo, receberam depois o batismo de Cristo; mas os que não punham a sua esperança no batismo de João e criam no Pai, no Filho e no Espírito Santo, não foram batizado o depois, mas pela imposição das mãos feitas sobre eles pelos apóstolos, receberam o Espírito Santo. E isto é por certo verdade, quanto à primeira parte, confirmado por muitas autoridades. Mas, a segunda arte dessa afirmação é de todo irracional. — Primeiro, porque o batismo de João não conferia a graça nem imprimia caráter, mas era só em água como ele próprio o diz. Por isso, a fé ou a esperança que o batizado tivesse em Cristo não podia suprir essa falta. — Segundo, porque quando num sacramento se omite o que faz essencialmente parte dele, não só há necessidade de suprir essa omissão, mas é mister tornar a ministrar de novo o sacramento. Ora, o batismo de Cristo essencialmente exigia fosse ministrado, não só em água, mas no Espírito Santo, conforme àquilo do Evangelho: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. Por onde, aos que só pela água receberam o batismo de João, não era preciso suprir o que lhes faltava, de modo que lhes fosse conferido o Espírito Santo pela imposição das mãos, mas deviam de novo e totalmente ser batizados na água e no Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, houve outro batismo além do João, por que estenão ministrava o batismo de Cristo, mas o seu. Mas, o que fosse conferido por Pedro ou ainda por Judas, esse era de Cristo. Por isso, os que Judas batizou não precisavam de novo batismo; pois, o batismo é tal qual foi instituído por quem tinha poderes para fazê-lo, em nada dependendo a sua essência daquele que o ministra. Por isso também os batizados de Filipe diácono, que ministrava o batismo de Cristo, não foram de novo batizados, mas receberam dos Apóstolos a imposição das mãos; assim como os batizados pelos sacerdotes são confirmados pelos bispos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, entendemos que os discípulos de Cristo foram batizados, quer pelo batismo de João, como alguns pensam, quer, o que é mais crível, pelo batizado de Cristo; pois, não podia deixar de regular o ministério do batismo, dando aos já batizados o poder de batizar os outros, aquele que se não dedignou de lavar os pés aos seus discípulos, para dar-lhes maior exemplo de humildade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como ensina Crisóstomo, o ter Cristo a João que dizia — Eu sou o que devo ser batizado por ti, respondido — Deixa por ora — mostra que depois Cristo batizou a João. E refere que tal está claramente escrito em certos livros apócrifos. Mas é certo, como ensina Jerônimo, que assim como Cristo foi batizado na água por João, assim João devia ser batizado por Cristo no Espírito.
RESPOSTA À QUARTA. — A causa total, desses tais terem sido batizados depois de haverem recebido o batismo de João, não foi o desconhecerem o Espírito Santo, mas o não terem recebido o batismo de Cristo.
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Agostinho, os nossos sacramentos são os sinais da graça presente; ao passo que os da lei antiga eram os da graça futura. Por onde, o fato mesmo de João batizar, em nome do que devia vir, prova que não conferia obatismo de Cristo, que é um sacramento da lei nova.
Se devia Cristo ser batizado
Discute-se assim. — Parece que não devia Cristo ser batizado.
1. — Pois, o batismo é uma ablução. Ora, desta não precisava Cristo, isento de qualquer impureza. Logo, parece que Cristo não devia ser batizado.
2. Demais. — Cristo recebeu a circuncisão para cumprir a lei. Ora, o batismo não era exigido pela lei. Logo, não devia ser batizado.
3. Demais. — Em qualquer gênero de movimento o primeiro motor é imóvel; assim o céu, a causa primeira da alteração, não é susceptível de ser alterado. Ora, Cristo foi o primeiro que batizou, segundo àquilo do Evangelho: Aquele sobre que tu vires descer o Espírito Santo e repousar sobre ele, esse é o que batiza. Logo, não convinha ele próprio ser batizado. Mas, em contrário, o Evangelho diz, que veio Jesus de Galileia ao Jordão ter com João para ser batizado por ele.
SOLUÇÃO. — Cristo devia ser batizado. — Primeiro, porque, como diz Ambrósio, o Senhor foi batizado, não por querer purificar-se; mas para purificar as águas que, purificadas assim pelo corpo de Cristo, isento de pecado, pudessem servir para o batismo e a fim de deixar para o futuro as águas santificadas para os que devessem ser batizados, como ensina Crisóstomo. Segundo, porque, como diz Crisóstomo, embora Cristo não fosse pecador, contudo assumiu uma natureza pecadora e a semelhança da carne do pecado. Por onde, embora não precisasse ele próprio de batismo, contudo deste precisava a natureza carnal dos outros. E como diz Gregório Nazíanzeno, Cristo foi batizado, para imergir na água todo o velho Adão. — Terceiro, quis ser batizado Cristo, porque como diz Agostinho, quis fazer o que ordenou a todos fazerem. Tal o que significam as suas próprias palavras: Assim nos convém cumprir toda a justiça. Pois, como diz Ambrósio, a justiça exige que comecemos por fazer o que queremos que os outros façam e exortemos os outros a nos imitarem pelo nosso exemplo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo não foi batizado para abluir-se, mas para abluir, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo não só devia cumprir os preceitos da lei antiga: mas ainda dar início aos da nova. Por isso, não somente quis circuncidar-se, mas também batizar-se.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo foi o primeiro que conferiu o batismo espiritual. E assim, não foi batizado senão só em água.
Se Cristo devia receber o batismo de João
Discute-se assim. — Parece que Cristo não devia receber o batismo de João.
1. — Pois, o batismo de João foi um batismo de penitência. Ora, a penitência não convinha a Cristo, isento de todo pecado. Logo, parece que não devia receber o batismo de João.
2. Demais. — O batismo de João, como diz Crisóstomo, foi um meio termo entre o batismo dos Judeus e o de Cristo. Ora, o termo médio
participa da natureza dos extremos, como diz Aristóteles. Ora, como Cristo não recebeu o batismo da lei nem o seu próprio, parece que, pela mesma razão não devia receber o de João.
3. Demais. — Tudo o que é ótimo, na ordem humana deve ser atribuído a Cristo. Ora, o batismo de João não é o supremo dos batismos. Logo, não devia Cristo receber o batismo de João.
Mas, em contrário, o Evangelho: Veio Jesus ao Jordão para ser batizado por João.
SOLUÇÃO. — Como diz Agostinho, o Senhor batizava, depois de batizado, mas não pelo batismo com que o foi. Por onde, como administrava um batismo que lhe era próprio, não recebeu o seu próprio batismo, mas o de João. E assim devia ser. — Primeiro, pela condição do batismo de João, que não batizava no Espírito, mas só em água. Ora, Cristo não precisava de nenhum batismo espiritual, porque desde o princípio da sua concepção teve a plenitude da graça do Espírito Santo, como do sobredito resulta. E essa é a razão dada por Crisóstomo. Segundo, como diz Beda, recebeu o batismo de João, para comprová-lo com o seu batismo. — Terceiro, como diz Gregório Nazianzeno, Cristo recebeu o batismo de João para santificar o batismo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, Cristo quis ser batizado a fim de, com o seu exemplo, nos induzir a receber o batismo. E para ser mais eficaz a sua indução, quis receber um batismo de que manifestamente não precisava, para que os homens recebam o de que precisam. Donde o dizer Ambrósio: Ninguém recuse o lavacro da graça, pois Cristo não recusou o lavacro da penitência.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo dos judeus, preceituado pela lei, era somente figurado: ao passo que o de João de certo modo era oral, por induzir os homens a se absterem do pecado: mas o batismo de Cristo tinha a eficácia de purificar do pecado e conferir a graça. Quanto a Cristo, nem precisava de receber a remissão dos pecados, dos quais estava isento, nem de receber a graça, da qual tinha a plenitude. Semelhantemente, sendo ele a Verdade, não lhe podia convir o que se realizava só figuradamente. Por isso, mais conforme lhe era receber um batismo médio, do que um dos extremos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo é um certo remédio espiritual. Ora, mais um ser é perfeito e menos necessidade tem de remédio. Por onde, sendo Cristo perfeito por excelência, não devia receber o perfeitissimo dos batismos, assim como não precisa quem é são da eficácia de nenhum remédio.