Eduardo Moura
8 min readAug 12, 2021

Da Imaculada Conceição de Maria

Bendita és tu — Virgem Maria, que trouxeste em teu seio — o Criador do mundo.

Demasiado grande foi a ruína que o maldito pecado trouxe a Adão e a todo o gênero humano, porquanto, perdendo a graça, perdendo junto todos os outros bens de que fora enriquecido no começo, e atraiu sobre si e sobre todos os seus descendentes, junto com o ódio de Deus, o cúmulo de todos os males. Mas dessa comum desgraça quis Deus eximir aquela Virgem bendita, que Ele destinara para Mãe do segundo Adão, Jesus Cristo, que havia de reparar o dano feito pelo primeiro.

Ora, vejamos o quanto foi conveniente a Deus e a todas as três Pessoas Divinas preservar essa Virgem da culpa original. Veremos que conveio ao Pai preservá-la como filha, ao Filho como Mãe, ao Espírito Santo como esposa.

ERA CONVENIENTE AO PAI ISENTAR MARIA DA CULPA ORIGINAL

E em primeiro lugar conveio ao Pai Eterno fazer com que Maria fosse imune da mancha original porque ela era sua filha, e filha primogênita, como ela mesma declarou: Saí da boca do Altíssimo; nasci antes de toda criatura (Eclo 24,5), visto que essa passagem é aplicada a Maria pelos sacros intérpretes, pelos Santos Padres e pela própria Igreja justamente na solenidade da sua Conceição. Pois, seja ela primogênita na medida em que foi predestinada nos divinos decretos junto com o Filho antes de todas as criaturas, como pretende a escola dos escotistas, seja ela primogênita da graça, uma vez que foi predestinada para Mãe do Redentor depois de previsto o pecado; todos, não obstante, estão de acordo em chamá-la de primogênita de Deus. Assim sendo, foi conveniente que Maria não houvesse jamais sido escrava de Lúcifer, mas possuída sempre e apenas pelo seu Criador, como de fato foi, segundo diz ela mesma: O Senhor me possuiu no início dos seus caminhos (Pr 8,22). Donde com razão foi Maria chamada por Dionísio arcebispo de Alexandria, “a única filha da vida". Única filha da vida, à diferença das outras que, nascendo em pecado, são filhas da morte.

Além do quê, conveio muito que o Eterno Pai a criasse em sua graça, visto que a destinou para reparadora do mundo perdido e mediadora de paz entre os homens e Deus; como precisamente a chamam os Santos Padres e especialmente São João Damasceno, que assim lhe diz: “Ó Virgem bendita, vós sois nascida para servir à salvação de toda a terra". Por isso diz São Bernardo que Maria foi prefigurada na arca de Noé, uma vez que, tal como por meio daquela os homens foram libertos do dilúvio, assim por meio de Maria nós somos salvos do naufrágio do pecado, porém com a diferença de que por meio da arca se salvaram poucos, e por meio de Maria libertou-se a raça humana inteira. Daí que Maria é chamada por Santo Atanásio de “nova Eva, mãe da vida". Nova Eva, porque a primeira foi mãe da morte, já a S.S. Virgem é mãe da vida. São Teófanes, bispo de Nicéia, diz-lhes: “salve, ó tu, que aboliste a tristeza de Eva". São Basílio a chama de pacificadora entre os homens e Deus. Santo Efrém, de pacificadora do mundo inteiro.

Ora, a quem negocia a paz não convém, por certo, que seja inimigo da parte ofendida, e muito menos que seja cúmplice do próprio delito. Diz São Gregório que para aplacar o juiz não adianta vir o seu inimigo, que contrário, em vez de o aplacar, mais o indignaria. E por isso, devendo ser Maria a mediadora de paz dos homens com Deus, tinha todo motivo para que ela não comparecesse ao tribunal pecadora e inimiga de Deus, mais inteiramente amiga e limpa de todo pecado.

Ademais, conveio que Deus a preservasse da culpa original pois a destinava a esmagar a cabeça da serpente infernal, que, com seduzir os primeiros genitores, causou a morte a todos os homens, como lhe predisse o Senhor: Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a semente dela: ela esmagará a tua cabeça (Gn 3,15). Ora, se Maria havia de ser a mulher forte posta no mundo para vencer Lúcifer, por certo não convinha que ela tivesse sido antes vencida por Lúcifer e feita sua escrava; pelo contrário, foi conveniente que ela fosse isenta de toda mancha e de toda sujeição ao inimigo. Buscou o soberbo, tal como já infectara por seu veneno toda a raça humana, também assim infectar a alma puríssima dessa Virgem. Mas seja sempre louvada a divina bondade, que a preveniu para esse fim com tanta graça que, permanecendo ela livre de toda a mancha da culpa, pôde assim abater e confundir a sua soberba, como diz Santo Agostinho (ou quem quer que seja o autor do comentário ao Genesis): “Se a cabeça do pecado original é o diabo, tal cabeça Maria esmagou, porque nenhuma sujeição ao pecado teve acesso à alma da Virgem, e por isso foi imune de toda mancha". E, mais claramente, São Boaventura: “Era conveniente que a Santíssima Virgem Maria, por meio da qual nos livramos da desonra [do pecado original], vencesse o diabo, de modo que a ele não sucumbisse nem o mais mínimo que fosse".

Mas sobretudo conveio ao Eterno Pai que deixasse ilesa do pecado de Adão essa sua filha porque a destinava para mãe do seu Unigênito. “Tu antes de todas as criaturas estavas predestinada na mente de Deus, para que gerasse como homem o próprio Deus", fala São Bernardinho de Siena. Mesmo que não houvesse outro motivo, pois, ao menos a honra de seu Filho, que era Deus, era razão suficiente para que o Pai a criasse pura de toda mancha. Diz São Tomás de Aquino, o Angélico, que todas as coisas que são ordenadas a Deus devem ser Dantas e limpas de toda sujeira. E por isso Davi, projetando o templo de Jerusalém com a magnificência que convinha ao Senhor, dizia: Pois tal morada não a homem se prepara, e sim a Deus (1 Cr 29,1). Ora, quanto mais devemos crer que o sumo Criador, destinando Maria para ser a mãe do seu próprio Filho, lhe tenha adornado a alma de todas as mais belas qualidades, a fim de que fosse habitação digna de um Deus? “O artífice de tudo, Deus", — afirma Beato Dionísio, o cartuxo — ”quando ia fabricar uma morada digna de seu Filho, adornou-a da plenitude de todos os carismas gratificantes". E a mesma Santa Igreja disso nos assegura declarando que Deus dispôs o corpo e a alma da Virgem para ser na terra digno albergue do Seu Unigênito: “Onipotente, sempiterno Deus, que preparaste, junto com o Espírito Santo, o corpo e a alma da gloriosa Virgem e Mãe, Maria, para que merecesse ser uma morada digna do teu Filho, etc.”.

Sabe-se que o primeiro prestígio dos filhos é nascer de pais nobres: A glória dos filhos é os seus pais (Pr 17,6). Daí que no mundo se tolere mais o estigma de ser tido por falto de bens e de doutrina que nascido de baixa estirpe; uma vez que o pobre pode se tornar rico pelo esforço, o ignorante pode se tornar douto pelo estudo, mas quem nasce de baixa estirpe dificilmente chegará a nobre: e se chegar, sempre se lhe poderá atirar ao rosto a antiga e originária mancha. Como, pois, podemos nós pensar que Deus, podendo fazer nascer o Filho de uma mãe nobre preservando-a da culpa do pecado, permitindo que Lúcifer pudesse sempre lançar-lhe em rosto a desonra de ter nascido de uma mãe escrava sua e inimiga de Deus? Não, o Senhor não o permitiu; proveu bem à honra do Seu Filho fazendo com que sua mãe tivesse sido desde sempre Imaculada, a fim de que fosse uma mãe conveniente a um tal Filho. Assim nos declara a Igreja grega: “Por singular providência fez com que a S.S. Virgem desde o começo da sua vida existisse tão completamente pura quanto convinha a uma digna Mãe de Cristo".

É axioma como entre os teólogos que nenhum dos tenha sido concedido a criatura alguma sem que a Santíssima Virgem se tenha enriquecido também do mesmo dom. Eis como fala São Bernardo: “Até mesmo o que consta ter conferido a apenas poucos dentre os homens, não é piedoso suspeitar que tenha sigo negado a tão grande Virgem". E São Tomás de Vilanova: “Nada jamais a santo algum foi concedido que desde o princípio de sua vida não brilhe mais abundantemente em Maria". E sendo verdade que entre a Mãe de Deus e os servos de Deus há uma infinita distância, de acordo com o célebre dito de São João Damasceno, certamente deve se supor, como ensina São Tomás, que Deus tenha conferido maiores privilégios de graça de todas as espécies à Maria que aos servos. Desse pressuposto parte Santo Anselmo, o grande defensor, e diz: “Por acaso não pôde a divina Sapiência preparar para o seu Filho uma estalagem limpa, preservando-a de toda mancha da raça humana? Pôde Deus — segue falando S. Anselmo — conservar ilesos os anjos do céu em meio à ruína de tantos outros; não terá podido, então, preservar a homens?”. Pôde Deus, acrescento eu, dar a graça até mesmo a uma Eva de vir ao mundo imaculada, e não o pôde dar a Maria?

Não, Deus pôde muito fazê-lo e o fez, visto que convinha com toda razão, como diz o mesmo Santo Anselmo, que essa Virgem, que Deus preparava para dar por Mãe ao seu único Filho, adornada de una pureza que não apenas superasse a de todos os homens e de todos os anjos juntos, mas que também fosse a maior que se possa conceber depois de Deus: “Era digno que com tal pureza brilhasse aquela Virgem que Deus Pai preparava para dar ao seu Filho único, que pureza maior não se pode compreender abaixo de Deus". E mais claramente diz São João Damasceno: “O Senhor havia conservado a Virgem pura de alma e de corpo, como convinha àquela que viria a receber Deus no seu seio; já que, afinal, Ele é Santo, repousa nas coisas santas". De modo que pôde dizer o Eterno Pai a essa Filha, dileta: (Ct 2,2): Filha, entre todas as minhas outras filhas tu és como um lírio entre os espinhos, já que aquelas estão todas manchadas do pecado, mas tu fostes sempre Imaculada e sempre amiga.

Glórias de Maria — Ponto-1 — Santo Afonso Maria de Ligório.

Fonte:
1 — In vitam prodiisti, ut orbis universi administram te praeberes (Or. 1, de Nat. Virg).

2 — Sicut per illam omnes evaserunt diluvium, sic per Istam peccati naufragium. Per illam paucorum facta est liberatio, per istam humani generis salvatio (Serm. de B. Virg).

3 — Cum peccati orignalis caput sit diabolus, tale caput Maria contrivit, quia nulla peccati subiectio ingressum habuit in animam Virginis, et ideo ab omni macula immunis fuit (in cit. loc. Gen.).

4 — Congruum erat ut B. Virgo Maria, per quam aufertur nobis approbium, vinceret diabolum, ut nec ei succumberet ad modicum (In 3. dist. 3, art. 2, qu. 2).

5 — Sanctitas illis rebus attribuitur quae in Deum sunt ordinatae (1 p., q. 36, art 1).

6- Omnium artifex Deus Filio suo dignum habitaculum fabricaturus, eam omnium gratificantium charismatum [plenitudine] adoravit (L. 2, laud. virg., art. 2).

7 — Providentia singulari perfecit, ut SS. Virgo ab ipso vitae suae principio tam omnino exsisteret pura, quam decebat quae Christo digna mater exsisteret (In Men., die 25 martii).

8 — Nihil umquam alicui sanctorum concessum est, quod a principio vitae cumulatius non praefulgeat in Maria (Serm. 2, de Ass).

9 — Maiora in quovis genere privilegia gratiae deferenda sunt Matri Dei, quam servis (3 p., q, 27, art. 2).

Eduardo Moura
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Written by Eduardo Moura

Ad maiorem Dei gloriam! — Minha missão é ensinar e, com o auxílio da graça de Deus, converter. Escritos de um católico sobre catequese e vida dos Santos.⚜️

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